Benji e David decidem se reencontrar e viajar para a Polônia logo após o falecimento da avó. Suas jornadas serão marcadas pela autodescoberta e pela revisitação de seus passados. Os primos, que pertencem à uma família judaica, buscam estabelecer uma conexão mais profunda com suas raízes, revivendo a história dos seus antepassados, infelizmente marcada pela dor e pelo sofrimento. Ao visitarem Auschwitz, exploram o impacto do Holocausto na história da família. A Verdadeira Dor
Na contramão do que a sinopse sugere, A Verdadeira Dor (2024) é um drama leve que faz incursões em uma espécie de humor ácido. Mas há uma fragilidade na transição entre essas duas vias. Jesse Eisenberg em certo sentido possui dificuldade em estabelecer uma unidade tonal, criando uma experiência sensorial fragmentada. A trilha sonora, repleta das peças de Frédéric Chopin, é exaustivamente utilizada para evocar um estado de melancolia introspectiva. Tenta-se impor uma postura contemplativa diante dos conflitos e do peso de seus temas, tratados sem profundidade nem sutileza.
Assim, nem tão sério como poderia, mas tampouco irresponsável – afirmação que pode gerar discordâncias –, A Verdadeira Dor se exime de promover reflexões profundas sobre o Holocausto, priorizando uma abordagem mais amena. A centralidade da narrativa é ocupada pelas dinâmicas que expõem o contraste marcante entre os primos, cujas divergências são agravadas sob o peso das circunstâncias do luto – ainda que ambos estejam sofrendo com a perda. Ou seja, os temas se tornam meros pretextos para explorar a relação entre os seus personagens.
Benji e David são apresentados como personalidades opostas que, ao mesmo tempo, se complementam. Essas diferenças imediatamente saltam à tela. David, interpretado por Jesse Eisenberg, sai de casa em cima da hora e fica preso no trânsito. Enquanto está a caminho, envia diversas mensagens a Benji, preocupado em não conseguir chegar a tempo no aeroporto. Benji, vivido por Kieran Culkin exibe um comportamento antagônico: chega cedo ao aeroporto, realiza o check-in com horas de antecedência e aguarda tranquilamente pelo primo. A cena inicial destaca a diferença na postura de ambos em relação aos acontecimentos, traçando perfis clínicos contrastantes.
Diversos outros elementos expõem esses contrastes entre os primos. Benji é mais extrovertido e gosta de se comunicar – embora nem sempre escolha bem as palavras –, enquanto David é introspectivo e possui uma fala mais contida. Os dois diferenciam na maneira de se vestir, com peças e cores drasticamente distintas. Eles são apresentados como personalidades inconciliáveis, completamente estranhos um ao outro. A narrativa é pautada pela exposição desses personagens às situações que aprofundam o contraste entre ambos, apresentadas de maneira cíclica – ou repetitiva, se assim desejar! Por um bom tempo, os primos parecem não guardar qualquer similaridade.
O avançar da narrativa carece de densidade ou de conflitos de grande magnitude, assumindo o risco e apostando todas as suas fichas no poder desse contraste como uma espécie de “motor” da narrativa. Contudo, há certo exagero e uma sensação de aleatoriedade nessas exposições, com situações que podem ser vistas como irreais ou extremamente caricatas – embora, no contexto do cinema, essas noções poderiam ser flexibilizadas. Durante grande parte, a narrativa flerta com a banalidade, impossibilitando o desenvolvimento de tensões dramáticas mais impactantes. Paradoxalmente, há uma tentativa de encontrar poesia nos detalhes, mas de maneira pouco sutil, como se a simplicidade precisasse ser escancarada para não passar desapercebida.
No entanto, o filme deixa de flertar com a superficialidade a partir do momento que busca se aprofundar na principal diferença entre os primos: a maneira como cada um lida com a dor e com a memória – e consequentemente com os traumas.
Benji e David são sobrecarregados pelas memórias do passado – tanto da sua família em uma perspectiva histórica, quanto de suas próprias infâncias. Benji, assim como alguns de nós, lida com toda a sua dor e angústia gritando e querendo ser visto, na esperança de que alguém o ouça e vá ao seu auxílio. David, como outros, sofre em silêncio, se camufla no espaço, tentando passar despercebido, evitando tanto incomodar quanto ser incomodado. Enquanto a dor de Benji é mais latente, a de David é silenciosa, mas são igualmente profundas.
Essa dualidade na forma de lidar com o sofrimento mostra como as experiências traumáticas moldam a nossa personalidade. Dessa forma, começamos a entender as diferenças, aparentemente inconciliáveis, entre Benji e David, e o que motiva suas ações. E a partir de um novo paradoxo – dessa vez intencional -, na medida em que nos aprofundamos nessa questão, passamos a enxergar mais as similaridades do que as divergências. Esse efeito é amplificado por mudanças – novamente nada sutis – nas formas como Benji se veste, finalmente usando uma calça, e na maneira que David se comporta, adotando atitudes transgressoras de sua própria personalidade.
Essa aproximação visual e comportamental entre Benji e David reluz uma verdadeira conexão entre os primos, como se eles incorporassem elementos da personalidade do outro, fruto do intercâmbio de experiências e aprendizados adquiridos ao longo da jornada. Essa dinâmica também revela uma conciliação íntima, que antes parecia improvável, proporcionando bons momentos de cumplicidade. Exemplos disso são a cena em que os dois compartilham um baseado no telhado do hotel e quando visitam a antiga casa de sua avó, realizando um ritual de homenagem e respeito.
A Verdadeira Dor rejeita as sutilezas na encenação, recorrendo a imposições – marcadas pelo uso exaustivo da música e das mudanças abruptas – para comunicar a sua ideia e reforçar a sua mensagem, assegurando que ela chegue claramente ao público. É uma obra que carece de um princípio formal melhor definido, o que pode ser visto como sua principal fragilidade. Contudo, é o tipo de filme que surge da vontade ou da necessidade de oferecer uma lição, utilizando o cinema como instrumento de reflexão e cura. E, nesse processo, o cineasta é simultaneamente o curador e o curado.
Nesse sentido de reflexão e cura, Jesse Eisenberg lança mão de uma proposta de cinema à la Woody Allen. Assim como o veterano diretor, Eisenberg dirige, roteiriza e protagoniza seu próprio filme, expondo suas vulnerabilidades e transformando suas angústias em temas. Sua abordagem também se assemelha à de Allen ao mesclar melancolia e humor para tentar (!) encontrar o tom do seu filme. As semelhanças vão além disso: Jesse e Allen compartilham a herança judaica e a vivência em Nova York. Dessa forma, as comparações se tornam inevitáveis.
Além disso, a utilização da música clássica na trilha sonora, somada aos demais elementos mencionados, também confere a A Verdadeira Dor uma atmosfera reminiscentes aos filmes de Woody Allen. Mas diferente do veterano, Jesse Eisenberg é um diretor quase de primeira viagem, aparentemente com pouca consciência de estilo. O resultado de seu filme se assemelha mais à uma experiência mimética (por homenagem ou inspiração), na qual a criatividade sequer se torna uma preocupação. Com uma identidade estilística pouco refinada, as nuances parecem mais fruto do acaso, mas sem prejudicar a “mensagem”. Embora careça de uma identidade mais sólida, ainda consegue transmitir a essência da narrativa.
Nesse sentido, a ambiguidade é elemento escasso, exceto no final. Os primos se despedem e retornam para suas vidas. Após o abraço que sela o término desse encontro, os contrastes voltam a ser evidenciados, sugerindo que o momento íntimo entre Benji e David foi único e que é improvável que se repita – ressurge aqui a ideia de inconciliação. A ambiguidade reside no fato de que não sabemos ao certo se o que impedirá esse novo encontro será a rotina ou uma tragédia que já se insinua. A interpretação fica a cargo do espectador, decidindo se embriagar ou não a partir das doses de otimismo que o filme oferece, tal qual como quem se entrega ao efeito da bebida – refúgio momentâneo que alivia, mas também ilude, deixando quem a toma vulnerável.
Filme: A Real Pain (A Verdadeira Dor) Elenco: Jesse Eisenberg, Kieran Culkin Direção: Jesse Eisenberg Roteiro: Jesse Eisenberg Produção: Estados Unidos, Polônia Ano: 2024 Gênero: Drama, Comédia Sinopse: Os primos David e Benji viajam pela Polônia para homenagear sua avó. A aventura se complica quando antigas tensões ressurgem enquanto exploram a história de sua família. Classificação: 16 anos Distribuidor: Searchlight Pictures Streaming: Indisponível Nota: 6,0 |