Deixo avisado ao leitor: o texto contém spoilers, embora nos próprios materiais promocionais de Acompanhante Perfeita, como no trailer e até mesmo em seu pôster, fique evidente de que a nossa protagonista Iris é uma robô – por mais que o filme não se apresse muito em escancarar essa informação. O longa prepara, vagarosamente e com algumas pitadinhas de um humor sagaz, o terreno do que supostamente seria um primeiro plot twist, em cenas e diálogos que envolvem também certo um teor de mistério, e segue a trama como se estivesse nos devendo alguma informação relevante (propositalmente), para depois dar suas “cartadas” com as revelações seguintes.
Para o espectador menos antenado que for assistir ao filme sem antes ter se deparado com alguma informação a respeito do longa, tanto essa primeira revelação como as demais que nos é apresentada gradativamente, pode ter um gostinho especial a mais por conta da surpresa. O choque com as reviravoltas pode ser genuíno e empolgante ao assistir ao filme “às cegas”, no entanto, isso pode não ter o mesmo impacto a quem se deparou com premissas e sinopses antes de dar o play. Isso porque Acompanhante Perfeita é um filme espertinho, que se escora até bem em certo nível nos twists que a princípio dão uma boa movimentada no ritmo e na atenção do espectador, mas acaba derrapando um tanto ao tentar consolidar suas ideias gerais e pecar em não expandir um texto que teria muito mais potencial.
O roteiro de Drew Hancock passeia pelo romance, thriller, horror, comédia e ficção científica, ao trazer a história de uma robô que é completamente customizada e manipulada – de todas as formas possíveis – pelo seu comprador e “namorado fake”, Josh, que controla, através de um tablet, suas emoções, personalidade, força física, inteligência e etc, trazendo uma válida e óbvia crítica sobre relacionamento abusivo e essa dinâmica de abuso de poder. Afinal, qual seria esse homem tóxico e manipulador que não sonharia em transformar sua companheira basicamente em uma subserviente, em um fantoche automatizado, à mercê de suas próprias vontades? Ao usar a personagem de Iris como alegoria para cutucar essas relações problemáticas, o filme nos faz refletir que certos homens já tratam mulheres de carne e osso assim no cenário da vida real, quem dirá à máquinas, supostamente sem sentimentos? No momento em que Iris descobre sua “condição” de androide e resolve lutar pela sua sobrevivência, o espectador se vê torcendo pelo seu êxito em sair-se bem daquele cenário de caos.
Ainda nesse raciocínio, não é nada exagerado ou errado assumir que nos simpatizamos mais pela robô do que pelo homem sem caráter que a domina e controla. Uma invenção artificial demonstra ter desenvolvido mais emoções do que seu namorado, que é um ser humano. Essa parte alegórica do texto de Acompanhante Perfeita teria tudo para obter um maior impacto narrativo, visto que, ao mesmo tempo em que está evidente a crescente da temática de I.A e outras tecnologias no cinema e na TV de forma geral, também está evidente que esse tema requere um diferencial – ou, no mínimo, uma certa originalidade ao ser abordada num filme com tantas facetas -, o que, aqui, fica em saldo negativo no roteiro. Tanto que fica impossível deixar de associar o filme a projetos de caráter bem semelhante, como a série Black Mirror (2011- ), M3gan (2022), A Garota Artificial (2022), entre outras obras que exploram essa questão do uso da tecnologia avançada no cotidiano das pessoas (sejam elas meros cidadãos comuns ou de caráter duvidoso). O fato de Acompanhante Perfeita nos remeter a outros longas de temática ou ideias parecidas não seria um problema, contudo, as questões éticas e morais a respeito do uso desenfreado e equivocado da tecnologia não serem devidamente discutidas ou desenvolvidas aqui nos deixa a impressão de que o longa é só um “mais do mesmo”. É como se o diretor somente quisesse divertir o público com uma trama ácida que, ao mesmo tempo em que provoca algumas risadas com certas cenas um tanto hilárias, faz chocar com a violência abrupta em outra, enquanto o texto pincela uma crítica válida que acaba ficando rasa, sem o devido peso que outros filmes com tal temática conseguiram tratar com mais profundidade ou substância (principalmente filmes com diretoras mulheres no comando, vale ressaltar).
Enquanto a primeira metade do filme é lotada por uma enxurrada de acontecimentos interessantes e até imprevisíveis, não demora muito para notarmos essa força de ritmo e de texto sendo afetada aos poucos, ora por cenas mais longas com diálogos bobos que não agregam quase nada à história, ora com conveniências de roteiro nada sutis para dar um empurrão na conclusão final da trama. O resultado acaba não sendo muito memorável ou arriscado – o longa prefere tomar um rumo mais “positivo” do que ousado e reflexivo em seu desfecho. Em suma, Acompanhante Perfeita é mais um filme com uma salada de referências, que até tenta brincar de ser diferente ao trazer um mix de gêneros, contudo, por não conseguir destrinchar melhor sua principal crítica, acaba não passando de um filme apenas… divertido. Isso pode bastar para o espectador menos exigente, ao mesmo tempo em que pode frustrar o espectador que apostou presenciar um maior impacto no longa.
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Filme: Companion (Acompanhante Perfeita) Elenco: Sophie Thatcher, Jack Quaid, Harvey Guillén, Lukas Gage, Megan Suri Ashley Lambert Direção: Drew Hancock Roteiro: Drew Hancock Produção: Estados Unidos Ano: 2025 Gênero: Ficção Científica, Terror, Thriller Sinopse: Josh decide levar sua namorada Iris para passar um fim de semana entre amigos em uma cabana remota, porém tudo se transforma em um caos após uma grande revelação vir à tona. Classificação: 16 anos Distribuidor: Warner Bros Streaming: Indisponível Nota: 6,0 |