Eu não sabia onde ficava o Laos antes de assistir “Adeus, Senhor Wong”. Peço desculpas ao leitor pela ignorância. Ficou mais fácil quando descobri no mapa que o pequeno país do Sudeste Asiático está situado entre a Tailândia e o Vietnã, perto da China.
Um dos prazeres de quem gosta de cinema mais diversificado tem a ver com descobrir filmes como esse, que é proveniente de um país que está longe e que sabemos muito pouco a respeito de sua cultura, economia e situação política atual, por exemplo. Falo por mim.
Para além da narrativa, o filme estrangeiro (não vale tanto o americano) teria então essa característica especial de nos mostrar também nas suas entrelinhas, em suas frestas, aspectos preciosos desse outro lugar, dessa alteridade que lentamente vai se desenhado ao longo dele e que revela tudo o que nos aproxima e tudo aquilo que nos afasta enquanto povos de realidades distintas. Podemos, assim, aprender uns com os outros e sermos mais tolerantes com nossas diferenças. Simples assim.
Em “Adeus, Senhor Wong” acompanhamos histórias de amor que terminam bem e outras que sequer começam, como tantas que conhecemos — eis um aspecto universal dele. As histórias se desenvolvem lentamente, à conta-gotas, semelhante ao ritmo das embarcações antigas que navegam sobre a água calma do lago Nam Ngum, que, cercado por montanhas, é onipresente ao longo do filme. Os personagens, que são quase todos habitantes do mesmo povoado, dependem do lago, portanto, para sobreviverem. E é principalmente a partir dele que se estabelecem as diversas relações de amor e de amizade.
A dinâmica peculiar daquela comunidade está expressa na forma do filme. Isso se dá, sobretudo, através da mise-en-scène, mas também está presente na montagem e na composição silenciosa de toda banda sonora. Entendo a mise-en-scène cinematográfica, grosso modo, como a direção cuidadosa dos atores construída a partir da relação dinâmica com a câmera, com o cenário e com todos os objetos de cena que vão surgindo durante o filme.
Kiyé Simon Luang, diretor do longa-metragem, opta então por uma mise-en-scène contida e ao mesmo tempo dilatada, feita de planos longos e desacelerados. O que nos permite ouvir e ver melhor, sem atropelo, cada nova imagem. Um convite à contemplação. Vamos, assim, nos apaixonando devagarzinho pelos personagens, até mesmo pelo rabugento Hugo. Para mim, é uma escolha corajosa e um gesto de resistência cinematográfica em tempos de TikTok. Uma luta contra um mundo saturado de imagens irrelevantes.
Há em “Adeus, Senhor Wong” essa dimensão individual envolvendo os sentimentos amorosos, as angústias e os impasses de cada personagem. E há, por outro lado, uma dimensão política que é tratada de modo sutil, sem nunca se sobrepor à primeira. É assim que as entendo pelo menos. Esse aspecto político se reflete nas distintas nacionalidades dos personagens e nas diferentes línguas que eles falam no filme: o laosiano, o francês e o inglês.
Basta uma pesquisa rápida no Google para saber que o Laos foi colônia da França durante vários anos. E isso, claro, sempre deixa marcas profundas. Não é à toa que, comparado aos vizinhos, o Laos é o país menos desenvolvido economicamente.
Já o inglês é falado pelo Senhor Wong: o chinês capitalista que, a pretexto de investir na região, quer mesmo conquistar France, a protagonista do filme. Ele é uma versão um pouco mais humanizada da China predadora, o país de um 1,4 bilhão de habitantes! O gigante devorador. Wong é um contraponto perverso, uma ameaça à comunidade. Dizer adeus a ele é livrar-se do mal pela raiz.
O filme está disponível na Filmicca. Uma opção mais do que interessante à mesmice das outras plataformas.
Filme: Goodbye Mister Wong (Adeus, Senhor Wong) |