Com passagem no Festival Cannes, Alma Viva, da diretora estreante Cristèle Alves Meira, foi o escolhido para representar Portugal na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2023, em que Nada de Novo no Front se sagrou como vencedor.
A história do filme gira em torno de Salomé (Lua Michel), uma menina de 11 anos que viaja para o interior de Portugal, num pequeno vilarejo, para passar as férias com sua querida avó (Ester Catalão). Todo o primeiro ato é focado na relação das duas personagens, construindo uma ligação emocional muito forte e recheada de ternura entre neta e avó, ao mesmo tempo que mostra um pouco sobre a personalidade de cada uma.
Ainda que Salomé seja bem diferente das demais crianças, é na representação da avó que Alves Meira subverte expectativas. Ao nos apresentar uma senhora que contrasta e vai de encontro com os costumes conservadores dos habitantes da vila, que chamam-na de bruxa, pois acreditavam que ela havia enfeitiçado e seduzido um homem casado. Com essa simplicidade e sutileza, a diretora consegue facilmente nos introduzir nesse contexto, sem precisar recorrer a verborragia escrachada, deixando tudo no subtexto e no poder da imagem para construir uma história madura centrada em Salomé sobre amadurecimento e luto, que se inicia quando sua avó morre abruptamente.
Não é nenhuma novidade utilizar temas que circundam a morte de um ente querido ou familiar para tratar o desenvolvimento de personagens infantis. Quantas histórias não escutamos com essa mesma premissa? Se for parar para pensar, até mesmo O Rei Leão se utiliza dessas convenções. Mais recentemente, em 2021, Céline Sciamma fez um estudo parecido acerca do luto. No entanto, o que diferencia Alma Viva dessas e de outras produções é que o longa português parece passar por uma crise de identidade proposital, que reflete o turbilhão de emoções e questionamentos pelos quais Salomé está passando. Em alguns momentos, a diretora flerta com o terror surrealista, o suspense da sugestão, a comédia de costumes e o drama familiar, mas nunca os desenvolve para além da superfície de gênero. O que pode não agradar a todos, mas é inegavelmente uma proposta ousada e que funciona em partes ao causar um sentimento de eterno desconforto com a linguagem e as situações que se desdobram a partir do clímax; ao contrário de Lamb, por exemplo.
Situações as quais só passam veracidade porque Cristèle Alves Meira utiliza a ótica nem sempre confiável de Salomé para nos apresentar estes eventos, que nos faz questionar um pouco do que estamos assistindo – se esse contexto no qual a história existe algo de fantasioso realmente atuando ou é apenas fruto de uma imaginação que não sabe o que fazer com os seus sentimentos, frente a uma família com adultos desestruturados e problemáticos, e recorre a explicações e sentidos metafísicos para os seus questionamentos.
A partir dessa narrativa dúbia, que poderia ser uma armadilha perigosa para Alves Meira, Alma Viva se mostra uma leitura coerente e estudo de personagem através do luto, que inicia o desenvolvimento de uma protagonista, ao mesmo tempo que desconstrói o contexto de cidade interiorana a partir de um texto preciso. É verdade que em alguns momentos Alma Viva pode soar lento, desinteressante ou raso. Mas não se engane, pois existe uma história muito tocante e complexa sendo construída a partir de uma linguagem simples. O que consagra Alma Viva como mais uma ótima entrada para o cinema português que tem entrado numa fase bem interessante de se acompanhar.
Filme: Alma Viva Elenco: Lua Michel, Ana Padrão, Jacqueline Corado, Ester Catalão, Catherine Salée e Arthur Brigas Direção: Cristèle Alves Meira Roteiro: Cristèle Alves Meira Produção: Portugal, França, Bélgica Ano: 2023 Gênero: Drama Sinopse: Salomé retorna à aldeia de sua família nas montanhas, como em todos os outros verões. De repente, sua amada avó morre. Enquanto os adultos brigam, Salomé é assombrada pelo espírito da mulher que foi considerada uma bruxa.
Distribuidor: Reserva Imovision Streaming: Indisponível Nota: 7,0 |