CRÍTICA – AOS PEDAÇOS

CRÍTICA – AOS PEDAÇOS

Aos Pedaços (2025), dirigido por Ruy Guerra, conta a história de Eurico (Emílio de Mello), um homem de duas amantes, Ana (Simone Spoladore) e Anna (Christina Ubach). Certo dia, o homem começa a teorizar de que uma das duas deseja sua morte. A partir disso, entra em um delírio paranoico, sem saber em quem confiar ou o que fazer.

A beleza de Aos Pedaços

Sem dúvida, a primeira coisa que salta aos olhos no novo longa de Ruy Guerra, é o fato de que o diretor sabe filmar. Aos Pedaços (2025) é um filme extremamente belo. Não uma beleza literal, como encontrada na vastidão de um céu estrelado ou na forma como a luz do sol reflete na superfície de um rio. É belo, pois, sabe articular aquilo que se encontra na superfície da película para extrair encanto a partir de como aquele conjunto de imagens se unifica para gerar signos que dialogam com o que está posto em cena.

Assim, se aproxima muito mais da beleza de um riso sincero que sabemos que fomos nós que provocamos; da graciosidade de se ver uma flor e entender sua natureza efêmera; de sentir o cheiro de terra molhada quando sabe-se que está chovendo lá fora. Ou seja, não é uma elegância puramente visual, proveniente de algo que agrada os olhos. É, portanto, uma formosura presente no significado das imagens.

Se Eurico está perdido em uma espiral de paranoia, Guerra consegue traduzir isso muito bem na forma de seu filme. Seja na fumaça do cigarro — que por si só já carrega um aspecto de morte prenunciada —, ou no escuro claustrofóbico reforçado pela fotografia em preto e branco — que aprisiona o protagonista em um casulo de opressão manufaturado pela loucura. Nesse sentido, Aos Pedaços (2025) é muito competente em transmitir esses sentimentos através da forma. A maneira como a imagem é manipulada sempre é pensada através de uma decupagem que permita com que o visual comunique tanto quanto os personagens — com referências diretas ao Noir e até toques de Bergman (inclusive, tem pontos narrativos que lembram bem Quando Duas Mulheres Pecam, de 1966).

Verborragia “espertinha”

Falar que a forma imagética do filme se comunica tanto com o espectador quanto os personagens perpassa como um aspecto positivo ao falarmos exclusivamente sobre a questão formal. Afinal, o olhar de Guerra para a construção dos planos é muito expressivo e consegue, de um modo muito sincero, manifestar grande parte do que rola na obra. Em outras palavras, a mise-en-scène dialoga muito com o observador. Nesse sentido, o uso da locução conjuntiva “tanto quanto” revela sua verdadeira face: uma pontada de escárnio. Se a forma do filme fala “tanto quanto” os personagens, e ela se comunica tanto assim, o que isso revela sobre os personagens do longa?

Chega a incomodar o quanto Aos Pedaços (2025) é verborrágico. Um bando de personagens cuspindo discursos vazios aos quatro cantos, com uma falsa pretensão de parecer inteligente. Cada vez que alguém abre a boca é para lançar uma frase “sagaz”. Diálogos completamente construídos para ter um impacto, mas que são tão excessivos que destroem todo o seu significado. Assim que Eurico solta uma fala, percebe-se que foi minuciosamente articulada para te fazer achar que você acabou de ouvir a frase mais inteligente que já ouviu. “A frase mais inteligente que já ouviu” até agora, ou melhor, até o próximo personagem abrir a boca, pois vai vir uma pior.

Os diálogos soam quase como se um adolescente abrisse o Wattpad às 3 da manhã após o primeiro porre de vodka de sua vida, e escrevesse a maior quantidade de falas espertinhas que sua mente embriagada conseguisse pensar para finalizar achando que acabou de conceber a maior obra que os milênios de literatura já viram. E isso não foi projeção de uma memória pessoal, tá? Ok, talvez só um pouco… 

A pretensão de Aos Pedaços

É um filme completamente autoconsciente, da pior maneira possível. Não só ele sabe que é um filme, mas quer ser O filme. A maior obra que décadas de cinema já viram. Se pararmos para refletir, é quase uma sátira do que seria visto como “o filme inteligente em preto e branco do leste europeu” lá pra segunda metade do século passado. Entretanto, Guerra se leva a sério demais para abraçar o escracho irônico que poderia vir disso. Aos Pedaços (2025) não quer zombar da obra europeia espertinha, quer ser A obra europeia espertinha. E, para isso, não poupa esforços.

O longa não se basta apenas das frases de efeito (que querem ser tão profundas que soam piegas) para parecer culto. Não, antes fosse. Para isso, utiliza de todos os artifícios narrativos possíveis. Um final com um twist pra lá de expositivo (para garantir que você tenha captado a “genialidade”). Um ritmo lento para parecer contemplativo (e aparentar ter mais conteúdo do que tem). A figura da femme fatale duplicada (elas tem até o “mesmo” nome). Uma crítica à religião com uma vibe meio aquele ateu chato do seu Facebook em 2012. Blá blá blá.

Beleza não é tudo

O primor técnico do diretor na decupagem e na construção da mise-en-scène é inegável. Novamente, Ruy Guerra sabe muito bem filmar. Poderia ser um grande filme se compreendesse como articular essa forma imagética tão bem tecida de um modo com que constituísse uma unidade com a história. Ao invés disso, é como se a imagem brigasse com o som para ver quem fala mais alto (e o som só fala besteira). Se, no cinema, uma grande obra é composta por harmonia entre o áudio e o visual, Aos Pedaços (2025) está longe de atingir tal feito.

Não adianta nada ter uma fotografia interessante se seu conteúdo é tão vazio quanto passar horas lendo o site Pensador.com. No fim, assistir ao filme é quase como ler o site mesmo. Um amontoado de diálogos e citações pseudo-profundas sem muita ligação ou unidade. É o tipo de filme que ressoaria como uma obra-prima se você nunca tivesse visto um filme na vida. Pelo menos é bonito.


 Poster do filme Aos Pedaços, dirigido por Ruy Guerra. Filme: Aos Pedaços
Elenco: Emílio de Mello, Simone Spoladore, Christiana Ubach, Julio Adrião, Arnaldo Antunes
Direção: Ruy Guerra
Roteiro: Luciana Mazzotti, Ruy Guerra
Produção: Brasil
Ano: 2025
Gênero: Drama
Sinopse: Um homem entra em paranóia após achar que uma de suas duas amantes quer o matar.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Pandora Filmes

Streaming: Não disponível
Nota: 4,0

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