CRÍTICA – AQUELA SENSAÇÃO QUE O TEMPO DE FAZER ALGO PASSOU

CRÍTICA – AQUELA SENSAÇÃO QUE O TEMPO DE FAZER ALGO PASSOU

A nossa vida inteira é uma mistura de orgulho pelo que fizemos e de arrependimento pelo que deixamos de fazer. Ainda que nos dias de hoje sejamos pautados por um estilo de vida imaginário e que só existe nas redes sociais, a verdade é que as frustrações sempre irão existir. Nesse sentido o filme Aquela Sensação Que o Tempo de Fazer Algo Passou dialoga muito com as altas expectativas que temos em nossas vidas. Esse anseio por coisas maravilhosas e essa projeção dos ideais que, como o próprio nome já diz, só existe no campo das ideias, atrapalham, pois, normalmente, são inatingíveis.

A diretora Joanna Arnow, que também assume o roteiro e é a protagonista desse filme, implementa um tipo de humor que ao mesmo tempo que leva a graça causa, também, um certo embaraço. Em diversas cenas o constrangimento é factual, contudo é interessante analisar como ela costura essa história de uma personagem envolvida em relações casuais com práticas de BDSM. Há uma clara ideia de desmistificação do BDSM como também a da posição de uma mulher inserida neste universo.

A protagonista Ann, vivida pela diretora, apesar de não se estabelecer como uma pessoa simpática, acaba flertando com o espectador justamente pela sua postura de agir com total naturalidade para certos pedidos dentro destes relacionamentos que fogem um pouco do dito convencional.

Mas a vida de Ann vai além do que apenas esse aspecto sexual. Acompanhamos ela em seu trabalho, no qual avança cada vez mais para o uso de tecnologias em detrimento das pessoas que, pouco a pouco, vão se tornando “obsoletas”. Apesar de não ser, de forma alguma, o foco da narrativa, é interessante como a diretora pontua em diversos momentos essa parte da vida de Ann. E dessa forma ela consegue construir mais uma camada de frustrações na vida da personagem.

Outro ponto que aparece para complementar os vários aspectos da vida da protagonista é o contato com sua família. Nas inserções em que vemos Ann com seus pais, tais cenas, por vezes, parecem mais constrangedoras do que as solicitações estranhas que seus parceiros fazem. É uma relação sem luz, muito mecanizada, sem vida. Apenas um fluxo de perguntas, respostas e alguns conflitos.

Em determinado momento do filme, quando em uma tela preta apareciam cinco nomes masculinos – o filme se utiliza dessa forma capitular para contar a história – eu me perguntava qual ou quais motivos a levava a se colocar naquela posição. Mas o que eu não entendia é que não havia nada demais em fazer o que ela fazia. Há prazer nisso tudo e, de certa forma, ela se divertia – a sua maneira – e se satisfazia, ainda que momentaneamente.

Essa divisão capitular funciona muito bem como apresentação do que virá a seguir naquele momento da vida de Ann. Antes mesmo de vermos o que vem a seguir, em alguns momentos, até pela repetição do nome mostrado, sabemos o que esperar. Então isso acaba servindo de duas formas: em alguns casos somos surpreendidos por um personagem mais excêntrico, como o que pede para ela se vestir com uma fantasia de “porca sensual” e em outras já sabemos que o que virá é algo menos caloroso como o seu relacionamento com Allen (Scott Cohen).

Essa relação de Ann com Allen, a primeira mostrada no filme, é preenchida por uma monotonia incomoda, mas, ao mesmo tempo, congruente com aqueles dois personagens e, talvez, por isso mesmo que Ann se apegue tanto ao que Allen deixa de fazer em relação a ela. Ela nutre algo por ele, como fica claro na cena em que ela fica esperando por uma mensagem dele que nunca chega.

Quando em um momento de reflexão Ann parte para um ideal de relacionamento e, assim, inicia uma busca por um parceiro para uma possível estabilidade, não demora muito para que a gente comece a torcer por ela e pelo Chris (Babak Tafti). Eles, mesmo sem querer, parecem complementar um ao outro. É tão singular a forma como ele a trata e isso fica muito mais evidente por conta das outras relações a que fomos apresentados antes dele. Fazendo uma comparação rápida entre Allen, o primeiro parceiro, e Chris, não acredito que alguém consiga ter empatia por aquele sujeito frio, monossilábico e desinteressado por ela.

Mas como disse anteriormente o filme desmistifica muitas coisas. Ann é uma mulher que faz escolhas. Se sente livre para faze-las e não se omiti em nenhum momento. Sabe do que gosta e vai atrás disso. Mesmo que para alguns não seja o mais correto a se fazer.


Filme: The Feeling That the Time for Doing Something Has Passed (Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou)
Elenco: Joanna Arnow, Scott Cohen, Babak Tafti, Michael Cyril Creighton, Alysia Reiner, Peter Vack, Parish Bradley, Barbara Weiserbs, David Arnow
Direção: Joanna Arnow
Roteiro: Joanna Arnow
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Comédia
Sinopse: Ann enfrenta a estagnação em um relacionamento casual de BDSM, um emprego medíocre e uma família judaica conflituosa. Em meio à alienação crescente, ela luta para encontrar seu caminho nesta comédia autodepreciativa.
Classificação: 18 anos
Distribuidor: Synapse Distribution
Streaming: Em Breve na MUBI
Nota: 6,5

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