Assistir a um filme sem saber nada sobre ele é um risco. Às vezes a surpresa é uma experiência incrível, às vezes é o completo oposto. Beau tem medo (Beau is afraid, 2023) é o terceiro filme do diretor e roteirista Ari Aster (Hereditário, 2018; Midsommar, 2019) e conta a história de Beau, um homem paranoico que parte em uma aventura épica para encontrar com o seu maior medo: sua mãe.
Retomando o que havia mencionado antes, assisti a esse filme sem saber nada dele. Como conheço e gosto dos dois trabalhos anteriores do diretor, acreditei que não seria uma má ideia. Ainda assim, com a sinopse divulgada do filme não teria como saber muito do que se trataria a história de Beau.
Como esperado de uma odisseia épica, este é um filme longo. Com suas 3 horas de duração, ele parece ter pelo menos umas 5 horas. Deixando claro aqui que não tenho problemas com filmes longos, este poderia ser menor. Uma coisa que posso dizer sobre essa obra é que ela te deixa pensando depois, para o mal ou para o bem, você fica com ela na cabeça.
A primeira hora do filme é, sem sombra de dúvidas, a sua melhor parte. A representação da mente de uma pessoa paranoica é muito bem construída e a narrativa absurda e imprevisível chega a nos deixar um pouco paranoicos também. A estética adotada principalmente nessa primeira parte lembra, em certa medida, o filme Corra (Get Out, 2017) de Jordan Peele e é muito satisfatório de se assistir. A atuação de Joaquim Phoenix como Beau é, sem surpresas, o ponto mais alto da história.
Após a primeira parte, o filme parece se dividir em dois. Não que isso seja um problema – em algumas obras não é –, porém aqui a narrativa toma um rumo completamente diferente da primeira parte do filme e até mesmo sua estética é mudada. Toda a poluição da primeira hora é deixada de lado para dar lugar à limpeza e ar puro do subúrbio e a narrativa fica ainda mais estranha nessa segunda parte. Há, aqui, alguns bons momentos em tela e quase podemos sentir empatia por Beau. Há, também, algumas críticas à modernidade – principalmente à América do Norte – e o modo com que essas críticas se dão, algumas mais sutis e outras escancaradas e de forma bastante satírica é bastante inteligente e dá certo nessas duas partes.
A cada mudança de “ambiente”, o tom de Beau tem medo fica mais sombrio e traz pistas de seu desfecho. A terceira parte é uma viagem completa. Para muitas pessoas, imagino que deva ter funcionado, para mim, não completamente. Há também, nesse terceiro ato, momentos dignos de apreciação, porém, na maior parte de seu enredo, o filme de Ari Aster parece querer somente dizer a seu público que o diretor/roteirista, que nesse caso é a mesma pessoa, dedicou horas e horas de pesquisa e estudos para fazê-lo. Seu esforço é, sim, apreciado, mas me pergunto se valia mesmo a pena fazer tudo isso.
A quarta e última parte do filme (enfim!) traz o seu desfecho, não sem antes explorar um pouco mais a psique de Beau e seus medos mais sombrios e escondidos. A relação edipiana entre ele e sua mãe, que desde o início da história se mostra o mote da narrativa de Beau tem medo, é colocada visualmente como personagem central somente na última parte do filme e, ainda que tenhamos entendido e “pegado” os sinais, os problemas que cercam essa relação inescrupulosa entre mãe e filho, somente aqui assistimos ao embate entre esses personagens.
A parte final da obra nos reserva algumas cenas bastante constrangedoras. Não entrarei em detalhes, porém acredito que quem assistiu ao filme saberá do que estou falando. Se fizer algum esforço, consigo acreditar que as intenções de Ari Aster eram as melhores. Podemos perceber que o diretor muito se vale de um discurso psicanalítico que pouco conversa com uma grande parte de seu público. Cinema é, também, discurso, porém, nessa ocasião, esse discurso parece esvaziado. Em muitos momentos o roteiro do filme parece apenas enaltecer, como uma masturbação pública, aquele que o escreveu.
Em certas ocasiões é até um pouco difícil de se acreditar que este filme foi pensado e idealizado pela mesma pessoa de Hereditário e Midsommar, que são obras singulares. Não quero dizer, com esse texto, que Beau tem medo não vale a pena ser assistido. Como mencionado, o filme tem alguns bons momentos e vai te fazer pensar nele após assisti-lo. Para alguns, é claro, ele não dirá nada, e tudo bem também. Acredito que a função primordial do cinema é entreter seu público e por isso não posso dizer que este filme é o mais indicado para esses fins, muito por conta de sua narrativa densa e pouco acessível.
O filme que se inicia com um nascimento a partir de seu parto termina com uma espécie de volta ao útero, o que considero um acerto dentro de sua narrativa. A cena final é cheia de exageros, porém acredito que aqui eles tem lugar e acrescentam ao enredo. A disposição dessa cena em específico é muito bem colocada e retoma alguns dos acontecimentos das partes anteriores. Ao seu final, sentimos que passamos também por uma jornada épica, uma vez que o filme parece não acabar nunca. Como olhar por horas para um quadro de Hieronymus Bosch, Beau tem medo é uma obra que todas as vezes que for revisitada trará surpresas escondidas àquele que a estiver apreciando. Às vezes você não vai entender nada, e ainda assim encontrará algo que de alguma forma se conectará.
Filme: Beau is Afraid (Beau Tem Medo) Elenco: Joaquim Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Armen Nahapetian, Parker Posey, Stephen McKinley. Direção: Ari Aster Roteiro: Ari Aster Produção: Canadá, Finlândia, Estados Unidos, Reino Unido Ano: 2023 Gênero: Aventura, Comédia, Fantasia Sinopse: Um homem paranoico embarca em uma odisseia épica para voltar para casa e encontrar sua mãe. Classificação: 18 anos Distribuidor: Diamond Films Streaming: Indisponível Nota: 6,0 |