CRÍTICA – CLUBE DOS VÂNDALOS

CRÍTICA – CLUBE DOS VÂNDALOS

Clube dos Vândalos (Bikeriders) trata-se de um exercício enrustido, preso em seu potencial, mas que mesmo assim, possui uma superficialidade tão envolvente que quase não lembramos que alguma carga dramática talvez fosse necessária – infelizmente, “quase”.

Oito anos após seu último filme, o diretor Jeff Nichols sugeriu ter se dedicado bastante à escrita deste roteiro para projetar a história de motoqueiros pseudo-anárquicos que fosse a mais eficaz possível; isso em sua perspectiva. Nesse processo, Nichols parece mastigar bastante a base de Os Bons Companheiros, mas sem proporcionar química suficiente à sua adaptação do material do fotógrafo Danny Lyon, autor dos registros da Era de Ouro dos clubes de motoqueiros nos EUA antes das transformações sociais entre as décadas de 60 e 70.

Como supracitado – “enrustido” está todo o potencial aqui. Preso a uma estrutura arcaica de narração, existem diversos freios narrativos que ocorrem mesmo quando o sinal está verde, tornando o filme sem velocidade. A história da origem Clube dos Vândalos, seu apogeu, e consequentemente sua queda, é trazida em meio a uma temporalidade inconstante: uma entrevista anos depois concedida por Kathy (esposa de Benny, um dos membros do Clube) ao próprio Danny Lyon.

A Kathy, da atriz Jodie Comer, é uma mulher avoada e desenvolvida como detentora de baixo senso de conduta que aparece de paraquedas no clube e, sem enrolação, aceita uma volta de moto com Bunny, do sempre charmoso Austin Butler, para logo casar-se com ele.

O problema para o esquema de estrutura intercalada entre entrevista e constantes flashbacks é em cartada dupla: além de segmentar e frear o ritmo, se trata de uma entrevista absurdamente maçante. A começar pelos trejeitos irritantes de Jodie Comer, e sua voz antinatural e desconfortável. E além do fluxo conter diversos clichês do “gênero” cinebiografia, o entrevistador Danny Lyon, vivido pelo Mike Faist, chega a ser um retrato unidimensional desrespeitoso, além, claro, do desperdício do Faist, talento que está em ascensão em Hollywood.

E, para se ter noção de como um diretor faz diferença, neste mesmo ano, Faist compôs um triângulo amoroso em Rivais, de Luca Guadagnino, extraindo estímulos primorosos em sua performance como tenista e jovem esbanjando hormônios – dedicação que, claro, não se comparam por serem papéis tão distantes em exigências e em tempo de tela, mas que pontuam sim que um diretor, quando realmente excitado, faz magia, coisa que aqui não se percebe: por exemplo, Austin Butler, teoricamente principal destaque, faz uma atuação bem básica: um gostoso com cara de malvado.

Essa simplificação dos personagens e alegoria testosterônica corroboram para o enfraquecimento dos elos e do posterior senso de urgência – assim como no Bons Companheiros, a esposa de um jovem inserido num meio social hostil e perigoso tenta impedi-lo de adentrar ainda mais nesta podridão. Mas enquanto Ray Liotta e Lorraine Bracco contracenam com uma tensão luxuosa no filme de Scorsese, praticamente mal parece haver intimidade entre o confronto de Butler e Jodie Comer. Esta aparece abruptamente posta como detentora de uma problematização artificial, oriunda deste fraco roteiro.

Bem, a conversa muda de forma quando falamos dele: Tom Hardy. É aí que o filme encontra seu ponto positivo. Seu personagem, o Johnny, fundador e presidente do clube, é uma figura que serve de bússola moral. Sua presença acalma. Hardy dá ao Johnny o olhar da contenção inteligente, e, mesmo que ele possua seus “podres” e seus rancores familiares, este enigma fica magnetizado na forte presença do mesmo. Existe também uma simplicidade em sua persona, como no trecho: “pensei em fundarmos um clube. Assim podemos fazer o que fazemos sempre. Conversar sobre motos e andar de motos”.

Hardy é, resumidamente, responsável por elevar o filme, e ainda traz consigo a principal reflexão a ser observada – é muito difícil fazer algo bom durar por muito tempo. Isto porque, assim como o filme Sem Destino (Easy Rider), de 1969, que é abordado em Clube dos Vândalos como o lançamento do momento, é contemplada uma forte transição dos valores morais, da transgressão e do aumento da violência.

Nichols não revela os temas que promove, mas certamente aponta como os caminhos daquele fatídico 1969 americano causou o impacto que causou. Por mais que faça essa leitura histórica, Nichols é patético ao tentar exemplificar por meio de uma gangue de jovens que se colocam como opositores do Clube dos Vândalos. O líder deles, para se ter noção, logo após ver ao vivo e em cores os seus “ídolos” motoqueirando nas ruas, quebra o farol de um carro anônimo em sequência apenas para se revelar o transgressor.

São essas facilitações na escrita, junto à pedestre concepção da montagem, que tanto enfraquecem o Bikeriders. Existe sim um potencial, comprovado pelos momentos de elegância visual e pela magnetização pelas caricaturas e suas vestimentas que compõem a caracterização do Clube, mas que parecem pirangueiros com o preço da gasolina, e portanto, nunca arrancam.

Por fim, Clube dos Vândalos não consegue tornar o espectador membro do Clube, e nos piores momentos, até mesmo o afasta, dada a desestimulante narração. Mas é indiscutível: as encenações e as caracterizações são tão verossímeis que quase que isso faz valer a pena por si só.


Filme: Clube dos Vândalos (Bikeriders)
Elenco: Austin Butler, Jodie Comer, Tom Hardy, Michael Shannon, Mike Faist, Norman Reedus
Direção: Jeff Nichols
Roteiro: Jeff Nichols
Produção: EUA
Ano: 2024
Gênero: Drama, História
Sinopse: No espaço de apenas uma década, um motoclube do Meio-Oeste dos Estados Unidos deixa de ser um ponto de encontro para desajustados locais e se transforma em um lugar sinistro, ameaçando o modo de vida do grupo original.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Universal Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 5,0

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