CRÍTICA – DIÁRIOS DA CAIXA PRETA

CRÍTICA – DIÁRIOS DA CAIXA PRETA

Indicado para o prêmio de Melhor Documentário no Oscar 2025, Diários da Caixa Preta retrata todo o descaso da sociedade, que é repleta de leis arcaicas e machistas, para com uma mulher que foi violentada sexualmente.

Esse documentário foi produzido a partir do processo da cineasta e jornalista Shiori Ito (nascida Kanagawa em 1989), tanto diretora como a própria vítima do caso de estupro que é retratado em uma hora e trinta minutos (também é hoje, uma ativista nos direitos das mulheres, igualdade de gênero e dos direitos humanos). Com poucos recursos, ela inicia uma jornada de registro de sua luta contra seu maior algoz, o jornalista Noriyuki Yamaguchi, biógrafo de alto escalão e muito íntimo do primeiro-ministro da época, Shinzo Abe – assassinado, em 2022, enquanto fazia um discurso de campanha.

Com grande coragem, Shiori vai ganhando espaço na mídia e na política japonesa, pois o Japão, por mais que seja um país de grande desenvolvimento econômico, é um estado injusto com as mulheres, com leis nada atualizadas e fundamentadas em tradicionalismos, como preservar a honra da família. Falar sobre estupro no Japão é tido como algo muito vergonhoso e desonroso, fazendo com que suas leis sejam do século passado e o estupro somente é validado como crime de tal natureza caso seja praticado por meio de violência ou ameaça extrema.

No caso de Shiori, foi pelo não consentimento, o que não agradou à população japonesa quando o caso veio a público, fazendo com que a vítima recebesse milhares de mensagens de ódio – misóginas do tipo “estava lá porque quis”, “você quer ficar famosa, temos pena do acusado” – e todo tipo de ataque que ela poderia ouvir, ler ou presenciar. No documentário, a diretora explicita sentimentos em frases de impacto escritas em seu diário, o qual culminou em um livro de memórias, com a vivência dos dias de luta investigativa e judicial (o fato ocorreu em 2015 e ela somente veio a público com o caso em 2017). Contudo, o documentário se mantém em proposta intensa, criando dentro do cenário político japonês, um maniqueísmo, entre direita pró Abe (presidente amigo do abusador) e esquerda (que queria ao máximo que esse caso fosse para telejornais de todo o Mundo).

O longa inicialmente vai apresentando ligações telefônicas com a polícia, o vídeo original do início do abuso ocorrido, as entrevistas e grupos de ajuda que ela frequenta, criando uma mescla de fatos antigos (sentimentos do diário) com o que a vítima vai presenciando conforme o processo de investigação e,  depois, o judicial vai avançando. Como espectadores, criamos um grande afeto por Shiori e nos emocionamos com suas conquistas, porém o documentário poderia ter uma duração menor, pois algumas partes ficam repetitivas, tornando-o um pouco cansativo – e não há linearidade narrativa que, acredito, um documentário deveria ter.

Contudo, esse longa é muito necessário de existir porque o sistema mundial é machista e patriarcal, e sabemos que todas as vítimas de estupro sofrem de várias maneiras. Um abuso sexual muda completamente a vida dessas mulheres e – por muitas vezes, como é descrito no longa –, a maior porcentagem de vítimas nem ao menos procura ajuda devido à repressão, medo e vergonha por parte delas. Mesmo não vencendo na categoria, é de suma importância esta pauta ser retratada e ser indicada em um prêmio de grande evidência mundial, como é o Oscar, para que as mulheres que passaram pela mesma situação não se calem, mesmo que seus algozes tenham poder, garantindo que outras não sejam feitas de vítimas por esses mesmos estupradores.

Se você foi violentada sexualmente, não cale sua voz. Denuncie. DISQUE 100 e procure uma unidade médica e policial.


Filme: Black Box Diaries (Diários da Caixa Preta)
Elenco: Shiori Ito
Direção: Shiori Ito
Roteiro: Shiori Ito
Produção: EUA/Japão
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Sinopse: A corajosa luta da cineasta e jornalista Shiori Ito para processar seu estuprador, o jornalista Noriyuki Yamaguchi, amigo e biógrafo do então primeiro-ministro Shinzo Abe. Sua jornada se torna um marco no Japão, expondo o arcaico sistema judicial do país.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: MTV Documentaries
Streaming: Indisponível
Nota: 7,5

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