Dublê de Anjo (2006), que por anos ficou conhecido por não ser encontrado em nenhuma plataforma de streaming, recebeu em setembro do ano passado uma versão restaurada em 4K com a adição de cenas que foram anteriormente cortadas, que agora pode ser assistida na plataforma de streaming da Mubi. Misturando realidade e ficção, o diretor Tarsem Singh criou sua obra prima de uma forma única, gravando em 28 países durante quatro anos, sem o uso de efeitos especiais ou telas verdes.
O relançamento trouxe uma nova onda de interesse para o filme, que tem um dos visuais e figurinos mais impressionantes do cinema. A narrativa do longa explora a metalinguagem sobre o processo de criação de uma história e como isso pode impactar a vida das pessoas, principalmente ao ser traduzido para a linguagem cinematográfica.
Baseado no filme bulgaro Yo Ho Ho (1981), Dublê de Anjo se passa em um hospital em Los Angeles nos anos 20, no auge do cinema mudo hollywoodiano, quando Alexandria (Catinca Untaru), uma imigrante de 5 anos internada no hospital com um braço quebrado, conhece Roy (Lee Pace), um dublê com tendências suicidas que foi hospitalizado após um acidente durante as gravações de um filme. Roy começa a contar histórias para a garota, com o objetivo de convencê-la a roubar remédios e à medida que os enredos vão avançando, elas se misturam cada vez mais com a realidade, se tornando um espelho da vida e do psicológico dos próprios personagens.
Alternando entre cenas mais sóbrias que traduzem a realidade do hospital e cenas de deslumbres coloridos em um mundo fantástico, o visual do filme é o que mais chama atenção, com a direção de fotografia brilhante de Colin Watkinson. Aos poucos Roy se torna o Bandido Mascarado, um entregador de gelo se torna o ex-escravo Benga Otta, um trabalhador do hospital se torna Charles Darwin e assim o verdadeiro se deixa levar pela fantasia das histórias na visão de Alexandria.
Os figurinos merecem ser mencionados à parte. O trabalho de Eiko Ishioka é impressionante, conseguindo complementar as características de cada personagem de forma singular e mantendo destaque mesmo à frente de cenários incríveis. Combinado com a direção de Tarsem, a apresentação das roupas se torna outro espetáculo, criando o suspense necessário para criar uma expectativa no público, que é bem recompensado.
Apesar da estética ser uma grande parte do filme, não é apenas nisso que a narrativa se sustenta. A atuação de Catinca Untaru se destaca como uma das melhores performances infantis já feitas, demonstrando a delicadeza e inocência requeridas para o papel de Alexandria. Isso é complementado ao contracenar com Lee Pace, que consegue conduzir perfeitamente a direção em que a história deve ir, enquanto incentiva o improviso de Catinca e mantém a naturalidade da sequência.
Por muitos anos conhecido por seu trabalho com o videoclipe de Losing My Religion da banda R.E.M., Tarsem Singh fez com Dublê de Anjo uma carta de amor para a arte de contar histórias. Investindo do próprio bolso, o que foi chamado por muitos de “projeto de vaidade” se tornou a obra cinematográfica mais singular dos últimos anos. Utilizando-se de transições extremamente criativas, cenários deslumbrantes e um ótimo elenco, o diretor se consolida com o que pode ser considerado seu visionário magnum opus.
Roger Ebert afirmou em sua crítica de 2008 sobre Dublê de Anjo que “é um filme que você pode querer ver apenas por existir. Nunca vai ter outro como esse” (em tradução livre). É definitivamente uma história inigualável e assisti-la nessa nova versão com certeza é uma experiência inesquecível, que pode ser equiparável ao assistir O Mágico de Oz e ver Dorothy abrindo a porta para um mundo de cores pela primeira vez, como algo reminiscente da própria technicolor.
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Filme: The Fall (Dublê de Anjo) Elenco: Lee Pace, Catinca Untaru, Justine Waddell Direção: Tarsem Singh Roteiro: Dan Gilroy, Nico Soultanakis e Tarsem Singh Produção: Estados Unidos Ano: 2006 Gênero: Drama, Fantasia Sinopse: Nos anos de 1920, um dublê acidentado vai parar no hospital e começa a contar histórias para uma garota internada lá. Aos poucos, a realidade, a imaginação e as emoções dos personagens parecem se fundir. Classificação: 16 anos Distribuidor: Roadside Attractions Streaming: Mubi Nota: 9,5 |