CRÍTICA – ELEMENTOS

CRÍTICA – ELEMENTOS

A TRANSMUTAÇÃO ENTRE O FOGO E A ÁGUA: os opostos complementares

Alquimia é pensar em transconfigurações de matérias-primas visando um produto outro mas ainda contando com um reflexo do conjunto, unitariamente combinados, tornando-se um ser (x) a partir do consciente de dois seres agarrados (y + z). “Elementos”, uma animação produzida pela Pixar e distribuída pela Disney nos apresenta uma sociedade extraordinária, compostas pela personificações dos quatro elementos presentes na natureza: terra, fogo, água e ar. Envolvendo-nos no romance entre Faísca Luz e Gota D’água, elementos opostos mas complementares. Para tanto, a obra constrói a narrativa dos personagens principais a partir de conflitos urbanos e das burocracias presentes nas cidades.

Portanto, trago o conceito de alquimia pois este foi o que se mostrou mais presente enquanto experenciava a trama. Em meio a marginalização pós catástrofes naturais em sua terra de origem, a família principal de elemento fogo é obrigada a mudar de território, a memória, representada por uma chama azul, é fundamental para entender a construção de identidade de um povo, nesse caso, o povo da Terra do Fogo. E por terem uma pré – concepção acerca de uma característica inerente, queimar, a cidade Elemental os vê como olhar de perigo e alerta. A tradição é a ação passada continuamente entre gerações que permeia o filme ao apresentar as culturas de cada elemento, desde a poda até a habilidade em deixar os sentimentos fluírem… Permeando às tradições e culturas, o peso de continuar o legado perpassa com a pressão constante de Faísca pelo seguimento à loja de seu pai.

A trama expõe as formas excludentes de tratamentos para povos imigrantes no ideal, a cidade Elemento/ Elemental, é o espaço que compõe oportunidades e extemporaneidades em cada relação, a exemplo do encontro do casal protagonista, ao ir investigar um vazamento o inspetor Gota encontra o comércio irregular da família Luz, com isso envia-as para o setor responsável que pretende fechar o local, este meio de sustento da família. Além disso, a mobilidade também é um fator importante para a análise da obra, afinal a existência de locomoções multimodais são essenciais para as entregas de Faísca, como seu acesso a um meio de transporte ou sua primeira corrida em busca das multas aplicadas por Gota.

Uma cidade que não supre as condições básicas de seus moradores gera desequilíbrio e marginalização, afinal, por que ninguém aceita os elementos da família fogo em sua chegada a Elemental? Este processo excludente e estrutural é um reflexo das dinâmicas sociais da contemporaneidade. A quem e por quem é dado o direito de viver à cidade?

Cenas sem diálogos foram as que mais me impactaram, a exemplo da perseguição dos protagonistas em um beco, o efeito dessa cena é empolgante. A transmutação entre areia e fogo transmite uma energia alquimista, o vidro temperado é de fato abordado como um ícone ao transmutar. Assim a destruição é vista como capacidade única e estática para o fogo, ao longo da narrativa é esta premissa é quebrada ao entender que até o que, de certa forma, destrói é essencial para o bom funcionamento do todo. Todo este desconhecido mas quando evocado presente, como a grande onda no estádio esportivo.

Ademais, o caminho de Faísca durante a perseguição se torna um meio de constituir seu direito à cidade, a busca se mistura com a contemplação desinteressada, onde o desinteresse evoca mais um descompromisso do que uma ausência. Com o acesso à habitação, educação, cultura, esportes e lazer, nota-se que  os mesmos são constantes e alcançáveis para quem a gestão da cidade pretende alcançar, ter contato com perspectivas outras de enxergar a cidade fez com que a cosmovisão da protagonista também mudasse. A exemplo do  conceito “DIXOQ” de agarrar a luz enquanto ela queima, a partir de uma herança hereditária, sendo materializado ao agarramento de Faísca com seu eu de forma pura. Junto à suas crises internas de identidade e por conta da falha de consertos paliativos, aplicados pelas gestões públicas, a Vila do Fogo é inundada nos levando também ao ápice final que aborda as fases elementais.

Ao sentir, Gota passa minimamente do seu estado gasoso para o líquido e Faísca de seu estado em chamas minimamente para fumaça e cinzas, obras assim me confortam a assistir, mesmo sendo uma criação de filme tradicional com ápice e desfecho gradativamente planejados, que provoca emoção e confunde desatentos, acredito que não tenho uma ideia fixa do que o filme quis transmitir, devo ir assistir novamente com a criança mais próxima (minha irmã de nove anos) para trocas com perspectivas e interpretações diferentes mas também complementares. As trocas foram importantes para a construção da narrativa e seu desenvolvimento, experienciar Elementos me fez ter contato com a representação da harmonia e da estabilidade necessária que antecede a transformação, me possibilitou caminhar entre fases.


Filme: Elemental (Elementos)
Elenco
: Leah Lewis, Mamoudou Athie, Mason Wertheimer, Ronnie Del Carmen, Shila Ommi, Wendi McLendon-Covey, Catherine O’Hara, Ronobir Lahiri
Direção: Peter Sohn
Roteiro: John Hoberg, Kat Likkel, Brenda Hsueh, Peter Sohn
Produção: Estados Unidos da América
Ano: 2023
Gênero: Ficção-Animação
Sinopse: Elementos é um filme de animação que se passa em uma sociedade extraordinária chamada Cidade Elemento, na qual os quatro elementos da natureza – ar, terra, fogo e água – vivem em completa harmonia. Na história, somos apresentados à Faísca (fogo, dublada por Leah Lewis), uma mulher espirituosa na faixa dos vinte anos, com um grande senso de humor e apaixonada pela família, mas que tem um temperamento um pouco quente; Gota (água, dublado por Mamoudou Athie) é um jovem empático, observador e extrovertido, que não tem medo de demonstrar suas emoções – na verdade, é até um pouco difícil controlá-las; Turrão (terra, dublado por Mason Wertheimer) é um garoto muito inteligente da terra que mora na Vila do Fogo, e está sempre perto de Faísca; e Névoa (ar, dublada por Wendi McLendon-Covey), que tem uma personalidade fofa e rosa, está sempre atenta às tendências da moda e é fã dos Windbreakers, um time de Air Ball.
Classificação: Livre
Distribuidor: Walt Disney Studios Motion Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 8,3

*Estreia nos cinemas no dia 22 de junho de 2023*

 

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