CRÍTICA – ENTREVISTA COM O DEMÔNIO

CRÍTICA – ENTREVISTA COM O DEMÔNIO

Em 1992 surgia um dos mais injustiçados clássicos do terror: Ghostwatch, da BBC. Mas não se engane, este “programa de TV” na verdade é um filme. Sem dúvidas, muito pouco reverenciado (e até mesmo muito pouco conhecido) para tamanha relevância em ser o percursor da perspectiva digital para horror, que claro, veio a explodir no fim da década com Bruxa de Blair. É como se, depois de uma década, que foi a dos anos 80, tão cheia de filmes de terror gráficos e explícitos (a lá Dario Argento), coubesse agora uma maneira mais pragmática, paranoica e verossímil de lidar com os eventos paranormais. Entrevista com o Demônio

Nessa perspectiva, Ghostwatch, único filme da diretora Lesley Manning, que contava com o elenco formado de reais apresentadores da TV britânica na época, pregou a peça em muitos que assistiram à BBC naquela madrugada de Outubro, onde, no estilo Found-footage, eventos paranormais eram orquestrados de forma convincente e propositalmente enigmática durante um programa teoricamente ao-vivo. Mas, como supracitado, foi mesmo Bruxa de Blair que popularizou o estilo (o ainda arcaico Holocausto Canibal gerou furdúncios à época, mas não necessariamente pelo motivo a qual foi filmado).

É, então, três décadas depois que temos uma releitura moderna desse recibo – e é moderna mesmo, já que conta até mesmo com a adição de imagens geradas através da inteligência artificial. Late Night with the Devil (no Brasil – Entrevista com o Demônio), que será lançado nos cinemas em 4 de Julho, nos transporta até os anos 70 para acompanharmos o Corujões, programa da madrugada liderado pelo apresentador Jack Delroy, vivido por David Dastmalchian – que passa por grande fase de sua carreira e protagoniza um filme grande pela primeira vez.

Seguindo a aura de Ghostwatch, mas com toques mais lúdicos, a dupla de diretores Colin e Cameron Cairne, diferente do filme de 92, não faz questão de sustentar a “credibilidade” do estilo “filmagens encontradas” do suposto programa de TV. Isso porque a diegese das câmeras (ou seja, a noção de que os personagens têm consciência de estarem sendo filmados) não é mantida de forma congruente até o fim, já que durante os intervalos comerciais, a câmera passa a assumir o padrão dos filmes (sem o percebimento dos personagens).

Nesse sistema, o filme engatilha bem, e vai fluindo positivamente até a segunda metade. E o principal fator para isso reside nos personagens e nas atuações: de longe o melhor aspecto do longa. Se os eventos do roteiro da própria dupla é formado por uma série de imprevisibilidades previsíveis, são os “caracters” (aqui, realmente caricaturas, mas isso é positivo) que dão vida ao show. A começar pela interpretação de David Destmalchian, que faz um apresentador de terceira prateleira, desesperado por audiência, e nem tão talentoso.

Já os quatro convidados do programa, são participações carismáticas em que o conflito e as divergências entre elas geram os melhores momentos, numa mistura entre comicidade e tensão que sustentam o malabarismo que mantém o filme de pé. Em especial, a garota possuída, da ótima atriz estreante Ingrid Torelli, que mesmo derivada, possui uma força muito singular de presença com seus olhares demoníacos naturalmente irreverentes e cômicos. Outro que chama atenção é o ilusionista cético interpretado por Ian Bliss, no qual rende também hilariantes diálogos.

Como pudemos ver, o filme tem tudo para se encaminhar como um Terrir (terror + comédia). Mas, seja lá para qual subgênero do horror formos direcionar Entrevista com o Demônio, seria preciso que o filme tivesse uma constância maior. E principalmente: um clímax. E essa é a maior falta que sentimos durante toda a projeção. Até mesmo porque a trama não possui mistério; os eventos se desenvolvem, mas tudo é direcionado para o que já é compreendido pelo espectador desde a introdução inicial: o trauma do protagonista. A ausência de quaisquer enigmas uma hora acabam tornando a experiência maçante e previsível.

Em outras palavras: é um Demônio sem carisma, que até mesmo ameaça romper com a imersão criada na metade inicial. O próprio humor perde fôlego, e a estética vintage, com efeitos visuais propositalmente cafonas, pegam mal, e acabam por ou não agregar em nada, ou por serem anticlimáticos. E, infelizmente, o último ato acaba se perdendo em um psicodelismo barato, optando por um desfecho fácil e submisso em termos de simplificação narrativa.

Em suma, Entrevista com o Demônio merecia mais. Digo isso pois a essência do conceito e seus personagens são sensacionais. Não falta carisma, mas falta um roteiro com decisões mais inteligentes, para agregar a um conjunto mais completo. E não que os filmes de terror não possam ser simples, mas nesse caso, a brilhante atmosfera é prejudicada pelas simplificações e ausência de mistério e impacto.

Uma sugestão, em contrapartida à inconstância do filme, pode ser V/H/S: 1985, que também possui o Found-footage como aparato do “programa de TV”, mas mantém a atmosfera absurdamente tensa e sombria do início até o fim de sua projeção, num exemplar de terror do verdadeiro espetáculo.


Filme: Late Night With The Devil (Entrevista com o Demônio)
Elenco: David Destmalchian, Ingrid Torelli, Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Rhys Auteri.
Direção: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Roteiro: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Terror, Comédia
Sinopse: No Halloween, durante um programa de televisão ao vivo, estranhos fenômenos paranormais começam a acontecer.
Classificação: 14 anos
Streaming: Indisponível
Nota: 5,5

*Estreia dia 04 de julho de 2024 nos cinemas*

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