Uma gororoba indigesta chamada Estômago 2: O Poderoso Chef
Estômago, de 2007, certamente está na série A dos filmes brasileiros deste século: instigante, peculiar, com personagens marcantes e uma experiência gastronomicamente palatável. Eis que o diretor-roteirista Marcos Jorge propõe uma sequência para sua obra.
Estreando no Festival de Gramado de 2024, coincidentemente no mesmo ano em que outro clássico brasileiro ganhará sua sequência (Auto da Compadecida 2, em dezembro), o consenso de a obra ser divisiva não dá pra ser refutado, até porque o próprio longa se divide (ou se mutila) entre as qualidades que fizeram seu antecessor funcionar, e uma nova decisão bastante imatura de remeter ao Poderoso Chef(ão).
A ideia não é ruim, no princípio. Pois a subversão poderia mostrar a coragem da (dessa vez) equipe de roteiristas em inovar, e não em fazer uma mera repetição – o que definitivamente não ocorre. Entretanto, tudo foge tanto do longa de 2007 que, no frigir dos ovos, se distancia completamente e se torna uma omelete de tentativas fracassadas num conjunto insosso.
Por exemplo: se no cardápio (ou melhor: no papel) a fusão de culinária com a máfia italiana poderia gerar uma mistura apetitosa nas telas, isso não ocorre. Principalmente por dois motivos. E o mais grave deles é a redundância divagante do roteiro. Veja bem, por mais ousada que fosse a ideia, os roteiristas poderiam ao menos priorizar os ápices da obra de Mario Puzzo / Francis Ford Coppola. Mas não. O que mais vemos são as cenas burocráticas, todas em italiano, mas que mais lembram novela turca.
E por falar em novela, outro ponto muito abaixo é o próprio tom televisivo que Estômago 2 se encontra esteticamente. Enquanto a película antecessora emerge de uma aparência cinematográfica caprichosa, a sequência mais parece uma minissérie da TV Globo. E sim, os paralelos imagéticos com Poderoso Chefão são mau filmados demais para serem sequer uma boa prestação de homenagem.
Bem, já vimos que o elemento máfia não funcionou. Mas o que há de se falar de bom? Tinha tudo para que elogios pudessem ser feitos ao personagem ícone Raimundo Nonato vivido muitíssimo bem por João Miguel. Infelizmente aqui as coisas são vários níveis abaixo. O personagem vira uma caricatura: palavrões forçados e pouquíssimo desenvolvimento impossibilitam ainda mais a experiência em ser agradável.
Todavia, o novo personagem, Don Caroglio, do ator italiano Nicola Siri, é ótimo. Principal ponto positivo do filme; possui presença e ajuda o espectador a se inteirar um pouco mais na trama. A relação com uma velha amiga de infância, pela também boa atriz Violante Placito, também é eficaz.
Porém, essas qualidades são avulsas. Tudo parece ser mal encaixado em Estômago 2. Até mesmo as boas cenas que envolvem a própria gastronomia, incluindo boas referências a Ratatouille, parecem estar inseridas numa gororoba inorgânica.
E pensar que este grande problema teria uma solução aparentemente simples: reduzir a duração. Não há necessidade de 2 horas e 10 minutos de projeção para algo tão bagunçado. No contrário, desengordurar o filme poderia torná-lo mais dinâmico e menos burocrático; fica muito cansativo a falta de foco acoplada a tentativas redondamente falhas de humor e atuações televisivas.
Em suma, é uma pena que o imaginário da – agora – duologia de Marcos Jorge venha a cair tanto no imaginário dos cinéfilos brasileiros. Ainda mais por um ajuste que poderia ser simples: uma edição menos conservadora, que desse um andamento funcional ao longa, sem tantos excessos divagantes. Afinal, nenhum filme bom é longo demais, e nenhum filme ruim é curto o bastante.
Filme: Estômago 2: O Poderoso Chef Elenco: João Miguel, Nicola Siri, Violante Placido, Paulo Miklos, Giulio Beranek, Marisa Laurito, Vincent Riotta, Projota, Marco Zenni, Rodrigo Ferrarini, Fábio Silvestre, Guenia Lemos, Giorgio Gobbi Direção: Marcos Jorge Roteiro: Marcos Jorge, Lusa Silvestre, Bernardo Rennó Produção: Brasil Ano: 2024 Gênero: Drama, Crime, Comédia Sinopse: Sequência do premiado filme de 2007, Estômago 2: O Poderoso Chef narra a saborosa e sangrenta disputa entre um líder de facção e um chefe italiano pelo controle da prisão onde estão detidos e pelo privilégio de serem servidos pelo talentoso cozinheiro Raimundo Nonato. Classificação: 18 anos Distribuidor: Paris Filmes, Warner Bros Streaming: Indisponível Nota: 3,5 |