CRÍTICA – ESTRANHA OBSESSÃO

CRÍTICA – ESTRANHA OBSESSÃO

Se tem um diretor que sabe trabalhar bem o suspense e principalmente a tensão de forma cadenciada, é Tony Scott. Um dos maiores, sem dúvidas, diretores de ação dos anos 90, Scott costumeiramente leva suas narrativas a coalizões extremas entre heróis e vilões utilizando justamente esse recurso da cadência narrativa até alcançar um clímax explosivo. Em “Estranha Obsessão”, Scott transforma o protagonista, interpretado por Robert De Niro, de um fã dedicado a um vilão perturbado. Diferente de outros longas do diretor, aqui seguimos o vilão, no qual Scott faz uma investigação profunda sobre a obsessão e o desmoronamento mental, e mostrando como um fã fervoroso pode se revelar uma ameaça assustadora.

Gil Renard, interpretado por Robert De Niro, é um vendedor de favas obcecado por beisebol. Ele desenvolve uma fixação perigosa pelo novo astro dos San Francisco Giants, Bobby Rayburn (Wesley Snipes). Quando a carreira de Bobby enfrenta dificuldades, Gil, acreditando que o sucesso do jogador justificará sua própria vida, toma medidas extremas para ajudar seu ídolo, levando a uma escalada de eventos violentos e perturbadores que exploram a linha tênue entre admiração e loucura.

A direção de Tony Scott é precisa em demonstrar como a obsessão de Gil é inicialmente camuflada pela sua fachada de normalidade. Gil Renard, interpretado por Robert De Niro, é apresentado como um homem comum enfrentando dificuldades em várias frentes da sua vida: profissionalmente, ele está em declínio como vendedor; pessoalmente, ele está afastado do filho e passando por um divórcio. No entanto, sua paixão pelo time de beisebol San Francisco Giants e a contratação de Bobby Rayburn, um jogador estrela, representam para ele uma forma de esperança e redenção.

Essa esperança é visivelmente ligada à sua autoestima e estabilidade emocional. No início, apesar das dificuldades, Gil ainda mantém um certo equilíbrio, o que é refletido na sua calma relativa em situações de estresse, como a interação com seu chefe. Porém, à medida que a temporada dos Giants começa a desandar e Bobby não corresponde às expectativas, a máscara de equilíbrio de Gil começa a cair.

Tony Scott, então, estabelece que o estado emocional de Gil é um reflexo direto da performance dos Giants, sugerindo uma simbiose doentia entre sua identidade pessoal e a do time. Essa conexão simbiótica é reveladora do fanatismo extremo, onde o sucesso e o fracasso do time são sentidos como sucessos e fracassos pessoais. É como se Gil depositasse toda sua identidade e valor em algo incontrolável, o que o torna vulnerável e, eventualmente, perigoso.

Em um momento, no jogo, Gil fala pra seu filho que a maior jogada no beisebol é o sacrifício. Esse conceito de sacrifício é realmente central para entender a complexidade do personagem de Gil Renard e sua descida à obsessão. A ideia de sacrifício no beisebol, especialmente o “sacrifice fly” (uma jogada onde o rebatedor deliberadamente se sacrifica para permitir que um companheiro de equipe avance uma base ou marque um ponto), é algo que Gil internaliza de maneira distorcida. Essa ideia de sacrifício é aplicada por Gil em todas as áreas. No contexto do beisebol, o sacrifício é visto como um ato nobre e altruísta, mas Gil leva isso ao extremo em sua própria vida. Ele sacrifica seu emprego, que já estava em declínio, e seu relacionamento com seu filho, na busca por algo que ele considera maior e mais importante: o sucesso dos Giants e, por extensão, sua conexão com Bobby Rayburn. Essa filosofia distorcida de sacrifício reflete a maneira como Gil se vê injustiçado. Ele acredita que seus sacrifícios pessoais – sua dedicação total ao time e a Bobby – deveriam ser recompensados.

Gil acredita que suas ações são “boas” e em prol de algo maior, um mecanismo comum em comportamentos obsessivos. Ele racionaliza seus comportamentos extremos como sendo em benefício de algo que ele idolatra. No caso de Gil, o beisebol e os Giants são mais do que um passatempo; eles são a essência de sua identidade e valor pessoal. Quando Gil ouve de Bobby Rayburn que o que fez ele melhorar os rebatimentos não foi o sacrifício de Gil em prol do Giants e sim o fato de o jogador não mais dá importância, ou seja, encarar o jogo com menos seriedade, é possível ver a frustração e raiva que Gil passa a sentir por Bobby. Para Gil, Bobby está sendo ingrato naquele momento.

E todo esse estudo de personagem é reforçado por outros elementos da linguagem que só potencializa ainda mais a experiência. A trilha sonora, por exemplo, composta pelo excelente Hans Zimmer, é crucial para a construção dessa tensão. A forma como a música começa de maneira tranquila e vai crescendo em intensidade reflete bem a espiral descendente de Gil. Na cena em que Gil tenta ajudar seu filho no treino de beisebol, a trilha sonora acompanha a situação que rapidamente sai do controle. Isso não só destaca o crescente desequilíbrio emocional de Gil, mas também reforça o impacto psicológico no espectador.

Assim como a trilha, a fotografia e a composição dos elementos em cena são também essenciais. Em dado momento, quando Gil é demitido, é possível ver as sombras da persiana criando listras no rosto de Gil. Essas sombras podem ser interpretadas como uma representação de sua “prisão” mental, sugerindo que ele está se tornando cada vez mais aprisionado por sua própria obsessão. Além disso, a mudança na trilha sonora após essa cena, com músicas mais energéticas, sinaliza a mudança no tom do filme. Assim como o uso de ângulos holandeses e closes extremos a partir desse ponto no filme.

“Estranha Obsessão” é simplesmente mais uma obra espetacular de Tony Scott. Apesar de muitos esquecerem do tamanho do cineasta, seu legado no cinema de ação e suspense permanece, e, “Estranha Obsessão”, serve como um excelente lembrete de sua maestria. Sua direção meticulosa e o controle preciso sobre a narrativa evidenciam mais uma vez seu talento em explorar os conflitos extremos e profundos dos personagens, solidificando sua posição como um dos diretores mais influentes de sua geração.


Filme: The Fan (Estranha Obsessão)
Elenco: Robert De Niro, Wesley Snipes, Ellen Barkin, John Leguizamo, Benicio del Toro, Patti D’Arbanville, Chris Mulkey, Andrew J. Ferchland, Brandon Hammond, Charles Hallahan, Dan Butler, Kurt Fuller, Michael Jace
Direção: Tony Scott
Roteiro: Phoef Sutton
Produção: Estados Unidos
Ano: 1996
Gênero: Thriller, Ação, Drama
Sinopse: Quando o San Francisco Giants paga ao defensor central Bobby Rayburn US$ 40 milhões para levar seu time à World Series, ninguém fica mais feliz ou mais solidário do que o torcedor número 1, Gil Renard. Quando Rayburn fica atolado na pior crise de sua carreira, o obcecado Renard decide não parar até ajudar seu ídolo a recuperar sua antiga glória – nem mesmo o assassinato.
Classificação: 14 anos
DistribuidorSony Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 9,0

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