CRÍTICA – FÚRIA PRIMITIVA

CRÍTICA – FÚRIA PRIMITIVA

Fúria Primitiva (Monkey Man, 2024) é a estreia do ator Dev Patel na direção. Conhecido internacionalmente por protagonizar o filme Quem quer ser um milionário? (Danny Boyle, 2008), Patel também é o personagem central de seu primeiro trabalho como diretor. Aqui, acompanhamos uma história de vingança carregada de violência e simbolismos ambientada na Índia. Produzido por Jordan Peele e por Dev Patel, Fúria Primitiva chega aos cinemas em 23 de maio.

O primeiro ponto que gostaria de abordar sobre este filme é o seu ritmo frenético. Do início ao fim, o roteiro de Fúria Primitiva não abandona, em nenhum minuto, a adrenalina dos momentos de tensão ao redor de Kid. As semelhanças e referências a vários outros filmes de ação são amplamente notadas, principalmente a franquia, estrelada por Keanu Reeves, John Wick. Sem parecer uma cópia ou paródia de quaisquer outras produções, esta obra se assenta dentro do gênero de maneira eficaz, adicionando inclusive, diversas questões à discussão.

Logo no início do longa, somos apresentados à versão infantil do protagonista, que vive de maneira simples e feliz com sua mãe na floresta. Ouvimos na introdução sobre a lenda de Hanuman, o Deus Macaco que fora deposto de seus poderes e expulso do “reino dos deuses” por ciúmes. Este Deus, meio homem, meio macaco, segue com Kid a medida em que a tragédia se abate sobre sua vida até sua fase adulta, quando se torna um homem tomado pelo ódio e com o desejo único de vingança a se cumprir.

A medida em que somos expostos ao cotidiano de Kid, imagens de um país dividido são inseridas em meio a narrativa do filme. É uma atitude muito acertada do roteiro, coescrito por Dev Patel, Paul Angunawela e John Collee, abordar a discrepância entre classes sociais na Índia, um problema antigo e muito conhecido pelo resto do mundo. Ao usar a política como eixo para adentrar no tema, somos inseridos à realidade do protagonista, que sem falas ou militância fajutas, expõe ações que não são exatamente surpresas para mais ninguém.

Há uma luta constante entre homem e sistema em curso no decorrer de Fúria Primitiva. Bobby, “codinome” utilizado por Kid – que de fato não tem um nome – para se camuflar em um ambiente onde não se pode confiar em ninguém, é um homem duro consigo mesmo, que quase nunca esboça sequer um sorriso. A dualidade entre sua versão criança e adulta serve para deixar o espectador ciente do caminho difícil traçado pelo protagonista em sua busca desenfreada por alguma justiça, a dos homens, não dos deuses.

A jornada de Bobby durante as duas horas de filme é preenchida por muitas mudanças que não são jogadas de forma banal ou aleatória. Se no início do filme assistimos ao Homem Macaco lutando em um clube da luta clandestino e perdendo sempre por dinheiro, seu upgrade para Kong no final nos apresenta à sua nova identidade, simbolizando o crescimento do personagem após passar por todos os obstáculos que foram se enfileirando em seu caminho.

É muito clara a mensagem de que o grande vilão desta história é o “sistema”, porém, temos as peças-chave perfeitas utilizadas para a personificação deste poder nas figuras de um secretário da polícia e de um guru espiritual que, como era de se esperar, são parceiros políticos dentro do universo enredado pela obra. Estes dois personagens – interpretados respectivamente pelos atores Sikander Kher e Makrand Deshpande – são cruciais na jornada de Bobby, uma vez que estão diretamente ligados à desgraça e motivo de sua vingança.

Uma história de minorias, Fúria primitiva busca, em meio às populações marginalizadas da cidade, fornecer a força e o “consolo” necessários a Bobby em sua luta. Uma das partes mais bonitas do roteiro – junto com as cenas entre mãe e filho – é o momento em que Bobby é resgatado e cuidado por um grupo de religiosas trans. Invisíveis para a sociedade, estas mulheres emponderam-se a partir do simbolismo dual do deus/deusa que é os dois e nenhum ao mesmo tempo. É inclusive durante esta passagem que o protagonista, em sua versão adulta, sorri algumas vezes, demonstrando pela primeira vez durante o filme uma “quebra” na rigidez de sua personalidade, onde consegue, ainda que por pouco tempo, relembrar de quem fora um dia.

É nesse grupo que se encontra a força perdida de Kid, que ao “renascer” das cinzas, embarca de vez em seu destino que, forjado pela violência, só poderia ser completado por ela também. A brutalidade, que durante todo o filme foi explorada com bastante ousadia e vigor, em seus minutos decisivos entra em toda a sua glória ao apresentar um verdadeiro banho de sangue. As cenas muito bem orquestradas de lutas em meio às luzes neon das noites são um ponto definitivamente positivo do trabalho de Patel, que teve a missão dupla de dirigir e atuar nessas cenas.

O desfecho de Fúria Primitiva não deixa nada a desejar em quesitos técnicos ou mesmo de roteiro. Sua narrativa frenética e carregada de questões sociais é, sem dúvidas, um grande pontapé inicial na carreira de diretor de Dev Patel, que inevitavelmente após a experiência positiva deste, deixa a expectativa para os seus próximos trabalhos bastante alta.


  Filme: Monkey Man (Fúria Primitiva)
Elenco: Dev Patel, Pitobash, Adithi Kalkunte, Jatin Malik, Silkandar Kher, Makrand Deshpande, Sharlto Copley, Ashwini Kalsekar, Sobhita Dhulipala.
Direção: Dev Patel
Roteiro: Dev Patel, Paul Angunawela, John Collee
Produção: Canadá, EUA, Singapura
Ano: 2024
Gênero: Ação, Thriller
Sinopse: Kid é um jovem que ganha a vida em um clube de luta clandestino, onde, usando uma máscara de gorila, é brutalmente espancado todas as noites por lutadores mais populares. Após anos de raiva contida e uma vida muito dura, Kid encontra uma maneira de se infiltrar na elite da cidade. À medida que seu trauma de infância ressurge, ele não mede esforços para acertar as contas com os homens da alta sociedade que tiraram o pouco que ele tinha.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Diamond Films
Streaming: Indisponível
Nota: 8,4

 

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