CRÍTICA – GHOST STORIES

CRÍTICA – GHOST STORIES

Entre a maratona de textos escritos sobre o diretor David Lynch, houve uma revisita no gênero de terror. O famoso dia das escolhas aleatórias após inúmeras indecisões encarando e repassando as listas dos serviços de streaming que assino. Deparei-me com Ghost Stories, que em minha memória não consegui rastrear em que momento ou quem pode ter recomendado. Será que foi por algum corte rodando o feed do Instagram? Não sei. Me soou familiar e o reconheci. Cinema inglês. Vamos dar uma chance, correto?

Estamos diante de um clássico tema: fantasmas, entidades, forças do sobrenatural. Nosso protagonista, Philip Goodman (Andy Nyman) é um jornalista dedicado a desfazer os charlatões, os mentirosos e os eventos sobrenaturais. Busca racionalizar esses eventos, afinal é um descrente que vê nessa sua decisão e dedicação de projeto de vida um jeito de superar os traumas de infância ao redor da religiosidade – e o quanto isso fragmentou sua própria vida pessoal. Inspirado pelo dr. Charles Cameron, que produzia o mesmo tipo de conteúdo para a televisão, Goodman tenta explicar o sobrenatural, desmascarar mentiras, provar que esse “outro mundo” é fajuto e nada real.

Charles Cameron desapareceu misteriosamente, mas uma carta é entregue a Goodman notificando um endereço, horário e data específicos para encontrar essa figura icônica que havia sido dada como morta. Ao encontrar a figura, Charles está decadente, velho e maltrapilho jogado às traças em um trailer. Desafia Goodman, por encarar seu próprio reflexo jovem, entregando o arquivo de três casos que não conseguiu desmascarar. Implora para que consiga resolver os casos, permitindo-o reencontrar sua racionalidade que fora desafiada e superar a provável causa de sua atual decadência. O filme, então, é dividido nesses três casos com uma macronarrativa que une as histórias em uma motivação pessoal de nosso protagonista.

Foi um filme que causou vários altos e baixos, principalmente no que envolve seu desfecho e a sua macronarrativa. Então, fiquem atentos: haverá um alerta de SPOILERS quando for adentrar nessa parte, pois o filme depende do elemento surpresa.

Sobre as atuações, não há nada marcante, nem interpretações que vão impressionar, apesar de manter a coesão e a verossimilhança, sem quebras por conta da equipe de excelentes atores selecionada. Os destaques ficam para o personagem Simon Rifkind (Alex Lawther) que aparece no segundo caso, conectado também ao caso que tem maior qualidade e ambientação no quesito terror/horror. Martin Freeman é um nome de destaque, incorpora certa seriedade, mas não abandona os mesmos trejeitos de sempre, relembrando sempre sua icônica interpretação na série britânica original The Office (2001). Os diálogos são bem sustentados em todos os segmentos, mantendo certa seriedade e simultaneamente uma informalidade que preserva as atuações sustentáveis ao longo do filme, nunca havendo exageros ou caricaturas dentro de um ambiente que busca a manutenção da descrença no sobrenatural por estarmos no ponto de vista de Goodman; porém, quando sua lógica é desafiada pelos relatos e situações que testemunha, tudo é exaltado para assustar o público com a quebra das convenções “realistas”.

Como já foi dito: a temática está nos clichês, principalmente no que tange ao uso de jumpscares após uma construção de tensão em que sabemos (pelo menos para quem é experiente) haverá uma aparição repentina e uma cacofonia alta de efeitos sonoros para gerar a reação. Admito que mesmo em momentos óbvios acabei tendo um pequeno susto em uma cena em específico. É a sombra que se move nos meandros, que altera os sons do rádio, que apaga as luzes, que cria armadilhas para que as personagens caiam em sua rede de terror. Outro elemento muito presente é o do vale da estranheza, diversos momentos em que as coisas não se comportam na naturalidade que é esperada apesar das referências de normalidade visual.

Assim, o segundo caso é de longe o melhor segmento do filme inteiro. São vários detalhes rápidos e pequenas sugestões que constroem uma ambientação verdadeiramente aterrorizante, em que simultaneamente implanta curiosidade e medo do que pode ser descoberto nas sombras da casa de Simon Rifikind. Quando entramos em seu flashback relatando sua experiência sobrenatural, tudo acaba perdido, afinal sua casa é muito pior em quesito de estranheza. O ambiente extremamente familiar de uma casa inglesa aconchegante é transformado em um lugar de vielas sombrias, barulhos simplórios e sussurros imaginários. Ficamos instigados pelo que pode estar acontecendo na casa, o que pode ter acompanhado Simon que, graças ao talento do ator, transmite ansiedade, nervosismo e desconforto à flor da pele.

O primeiro caso tem seus méritos, constrói bem o ambiente de terror, porém por se tratar de uma localidade distante do imaginário familiar, não há uma imersão das sensações empáticas com a personagem que testemunha o fato. Também é prejudicado por, ao longo da narrativa, se perceber que é um caso desconexo, não tendo muitas ligações com nenhum dos outros a não ser certos elementos de cenário familiares. Não há nem mesmo apelo simbólico, pois na casa de Simon nos deparamos com uma figura que se tornou obsessa com imagens diabólicas. Aqui no caso do guarda Tony (Paul Whitehouse) é somente alguém que teve o azar de trabalhar em um lugar insalubre e cheio de memórias coletivas traumáticas.

O terceiro caso desanda por inteiro em questão da macronarrativa. Logo, a partir daqui SPOILERS predominam na história. Tome suas precauções e evite antes de assistir; ou parta nessa jornada comigo para o puro suco da frustração.

Como uma espécie de M. Night Shyamalan (dando os créditos para o excelente plot twist de Sexto Sentido) ou até mesmo do excelente Os Outros (2001), que tem crítica minha no site, o episódio busca subverter as expectativas pegando absolutamente ninguém de surpresa. No terceiro caso, em que o personagem de Martin Freeman aparece duplamente – afinal, Mike Pride (seu personagem) também é o dr. Charles Cameron –, inicia-se um processo de narrativa onírico do completo nada. Buscando gerar conexões com os fios narrativos soltos dos segmentos anteriores, o episódio cria diversas possibilidades interpretativas. Com uma pequena pesquisa encontramos vários sites e fóruns debatendo as possíveis explicações do final que é desnecessariamente confuso. Há uma ousadia, certo respeito por não ter caído na armadilha de entregar respostas óbvias e diretas deixando uma espécie de desafio para o público tentar organizar o quebra-cabeça, porém, manifesta-se a pergunta: “qual quebra-cabeça?”.

Quando é abandonado o clichê envolvendo “casos sobrenaturais jamais explicados” para uma espécie de metalinguagem narrativa em que tudo é uma projeção do consciente de Goodman, o filme cai em um deságue de frustração. Teria sido melhor seguir pelo clássico e se manter no clichê, pois as montagens e tensões são bem estruturadas. Goodman estava em coma esse tempo inteiro, cada personagem que acompanhamos na narrativa são projeções daqueles que trabalham no hospital em que ele está internado ou memórias de dias em que ainda estava acordado. Surgem quebras de cenário repentinas, uma busca excessiva de impressionar e até um forçado flashback em que Goodman revisita um trauma de infância testemunhando a morte de um conhecido na adolescência; há certa perturbação, principalmente no visual do velho conhecido atormentado sua consciência. A ironia dos médicos no segmento final, comentando: “espero que ele esteja tendo bons sonhos”, deixa tudo mais sarcástico e irônico, gerando pouca empatia pelo seu ciclo vicioso de reviver a narrativa várias e várias vezes.

São diversas questões que irão permear essa macronarrativa: em que momento acessamos esse estado de inconsciência de Goodman? Desde o início? Há uma espécie de entidade que o possuiu levando-o a provavelmente tentar cometer suicídio? Foi somente um estado de depressão contínuo que projetou essas tantas imagens sobrenaturais? Goodman (que é interpretado pelo próprio diretor) parece uma metalinguagem em que a própria narrativa do filme é desmascarada por meio da explicação de que tudo é uma representação onírica na mente de um paciente em estado vegetativo. A câmera é a personagem que demonstra esse plano, gerando respostas para racionalizar toda a confusão que é promovida pela narrativa.

O debate sobre crença ou não crença (que é apresentado na narrativa e através do diálogo de Goodman com um padre local) é esvaziado, quase sendo deixado de lado pelo roteiro… Não se entende quais são as questões, qual é o quebra-cabeça ou que respostas deveríamos buscar. Não há também um esforço sequer em demonstrar a fundo o que Goodman fazia, pois, além do exemplo da cena de abertura, quando chegamos aos três casos notórios da narrativa, testemunhamos o personagem simplesmente entrevistando aqueles que passaram pela experiência sobrenatural; não há um desenvolvimento dos casos, quais as conclusões ou possíveis conclusões propostas ou, até mesmo, aquilo que deixou o dr. Charles Cameron impressionado e questionando sua descrença nas forças do além. Parecem peças organizadas em uma cadeia de sequências que, no final, buscam atingir um “elemento surpresa” que se torna mais um filme qualquer. É… É mais um filme. Uma experiência que não repetiria. Medíocre e piegas.


Filme: Ghost Stories
Elenco: Andy Nyman, Paul Whitehouse, Alex Lawther, Martin Freeman, Deborah Wastell
Direção: Andy Nyman, Jeremy Dyson
Roteiro: Andy Nyman, Jeremy Dyson
Produção: Reino Unido
Ano: 2017
Gênero: Terror, Suspense, Horror
Sinopse: Goodman é um professor, psicólogo e cético, que tem sua racionalidade testada quando encontra um arquivo perdido contendo detalhes de três assombrações assustadoras. Ele então embarca em uma missão para encontrar explicações racionais para os acontecimentos fantasmagóricos.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Lionsgate
Streaming: Prime Video
Nota: 6,5

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *