CRÍTICA – GLADIADOR II

CRÍTICA – GLADIADOR II

Geralmente, obras cinematográficas de época, como Gladiador, Coração Valente e Tróia, são vistas como conteúdos que precisam ter um certo grau de coesão com eventos históricos para cativar o espectador. Caso contrário, o filme pode perder seu valor realista, deixando de ser interessante para quem busca autenticidade nos detalhes. No entanto, é curioso como ainda há quem defenda que o cinema precisa estar estritamente ligado à realidade. Eu, pessoalmente, prefiro que ele me transporte para outro espaço, uma nova realidade que existe apenas na minha interpretação dos eventos. Independentemente de ser realista ou não, o filme nos lança fragmentos, e nós, espectadores, montamos nossa própria versão da história na cabeça. Esse processo cria uma experiência única para cada um, pois, mesmo com uma narrativa objetiva, estamos todos assistindo a um material diferente. 

Nessa linha de pensamento, Gladiador II (Ridley Scott, 2024) surge como um filme que expande essa ideia de evasão da realidade histórica de Roma, mas, também, abrindo um novo capítulo na narrativa de Máximus. Sim, estamos falando da história de Máximus; embora novos rostos estejam agora no centro dos acontecimentos, o embate ideológico entre Máximus e Cômodo parece longe de ser encerrado. Suas visões de mundo ainda se chocam na Roma imperial, agora governada por uma tirania que brutaliza seus “inimigos” por mero entretenimento. Se antes os conflitos épicos se desenrolavam na arena, dezesseis anos após a morte do herói honrado de Roma, os atos de crueldade mais intensos agora ocorrem fora do coliseu, onde a prática de queimar corpos se tornou uma das formas mais “gentis” do tratamento romano. 

Dessa vez, Ridley Scott não foca em apenas dois personagens, mas em cinco figuras centrais. Além de Lucius, filho de Máximus, conhecemos Macrinus, Marcus e os imperadores, que formam um complexo jogo de forças em Roma. Lucius carrega em si o espírito de liderança do pai, deixando transparecer as qualidades que o herói de Roma possuía. Macrinus, por sua vez, é um oportunista habilidoso, um jogador astuto que manipula as peças do tabuleiro romano desde que chegou à região. Marcus, veterano de guerra e marionete dos imperadores, sofre em silêncio com a culpa pelo sangue derramado, atormentado pelas batalhas, mesmo após suas inúmeras conquistas. Já os imperadores são quase caricaturas do poder: figuras autoritárias que, com gritos e atitudes abusivas, exploram um poder que já dura anos desde a morte de seu pai, mas que, para eles, é sempre um exercício de força. 

Gladiador II explora a busca de Lucius por liberdade, tanto física quanto emocional. Mesmo em momentos de tranquilidade, como ao contemplar sua amada pela manhã, Lucius parece carregar uma raiva latente. Esse traço aparece já no primeiro diálogo do filme, quando sua esposa o aconselha a ser mais gentil e atento à natureza ao seu redor. No entanto, após a morte de seus amigos durante a invasão de Roma, essa raiva se intensifica e permeia cada batalha que ele enfrenta, tornando-se uma forma de expressão para sua fúria contida.

O comportamento de Lucius remete bastante ao de Thorfinn, protagonista do anime Vinland Saga, de Makoto Yukimura. Assim como Thorfinn, que ao invés de processar a perda do pai escolhe o caminho da guerra e da vingança, Lucius canaliza sua dor em batalhas, usando-as como um meio de expressar o luto e a ira. Essa jornada complexa faz de Lucius não apenas um herói em busca de justiça, mas alguém em conflito com o próprio desejo de libertação e paz interior.

Ao longo de Gladiador II, Ridley Scott não alcança a sensibilidade íntima presente em obras como o anime Vinland Saga. Embora o filme se destaque entre os trabalhos recentes do diretor e seja possivelmente seu melhor desde Perdido em Marte (2015), ele ainda fica aquém do seu potencial, especialmente em comparação com o primeiro Gladiador. Se no original havia uma escala épica ao redor dos personagens, neste novo filme, Scott adota um estudo mais focado nas figuras políticas de Roma, explorando temas de liberdade e poder.

Porém, mesmo com essa abordagem, a narrativa em certos momentos nos leva ao tédio, como se a todo instante percebêssemos o potencial para uma história mais envolvente. Os personagens apresentados são interessantes, com suas escolhas patéticas e falhas humanas, mas o filme parece dividido: de um lado, o desejo por cenas de ação intensas; do outro, um drama político mais reflexivo. Essa indecisão entre estilos enfraquece o impacto deixando a sensação de que Scott hesita entre o espetáculo visual e a profundidade dos close-ups em cena. 

[Alerta de spoilers]

Por fim, confesso minha frustração com a cena final. Não gostei do tom apelativo em torno da morte do protagonista; apesar de os momentos de sonho ao longo do filme terem funcionado bem, o desfecho pareceu uma tentativa de Ridley Scott encerrar a história de forma conveniente, sem deixar pontas soltas. Ao optar por essa resolução, indicando que o protagonista morreu ou estava próximo disso, a narrativa perde em sutileza. Ainda assim, o filme me fez oscilar entre amor e ódio, e é justamente isso que o torna tão interessante. Gosto de obras que me causam isso em uma terça-feira.


Filme: Gladiador II
Elenco: Paul Mescal, Denzel Washington, Pedro Pascal, Connie Nielsen, Joseph Quinn
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Peter Craig, David Scarpa, David Franzoni
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Drama, Medieval
Sinopse: Lúcio deve entrar no Coliseu após os poderosos imperadores de Roma conquistarem sua terra natal. Com raiva no coração e o futuro do império em jogo, ele olha para o passado para encontrar a força e a honra necessárias.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Paramount Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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