CRÍTICA – GRANDE SERTÃO

CRÍTICA – GRANDE SERTÃO

Hiperrealismo referencial e a ausência de estímulos subjetivos para seduzir o espectador grande sertão

Reconhecido nacional e internacionalmente, Guel Arraes marcou os primeiros anos dos anos 2000 com três obras que se destacam entre os melhores longas-metragens brasileiros de todos os tempos: “O Auto da Compadecida” (2000), “Caramuru – A Invenção do Brasil” (2001) e “Lisbela e o Prisioneiro” (2003). Estes filmes não apenas exploram a comédia, mas também dialogam com as raízes culturais do Brasil. Em seu mais recente lançamento, “Grande Sertão”, uma adaptação do livro de João Guimarães Rosa, Arraes adentra o gênero do drama e ação, embora ainda mantenha momentos de alívio. No entanto, o filme reflete uma tendência preocupante no cinema contemporâneo, onde muitos diretores parecem mais interessados em exibir sua técnica do que em criar uma obra sensível e significativa para o mundo, e também para a história. Embora Guel Arraes demonstre habilidade em utilizar a câmera e em se distanciar das tendências cinematográficas predominantes no Brasil atualmente, o filme tem seus momentos de queda, especialmente quando Caio Blat assume a narrativa de forma excessiva com sua voz, lembrando as narrativas de filmes americanos dos anos 90.

A ambientação de “Grande Sertão” parece refletir características do Rio de Janeiro, especialmente quando aborda temas como milícias e a violência contra corpos negros perpetrada pelo Estado. No entanto, considerando a reputação de Guel Arraes e sua estreia no CinePE, há indícios de que a obra também explore elementos de ficção científica enquadrados do Nordeste. Essa abordagem não será apenas relevante para alguns grupos; poderia até mesmo ser relegada ao plano de fundo, não fosse a atualidade de tantas questões relacionadas à representação no país. A sinopse de “Grande Sertão” revela um enredo envolvente, porém não é exatamente o que espera, ou o que observa.  Em um futuro distante, a comunidade homônima é dominada por facções criminosas, e Riobaldo acaba se envolvendo com uma delas na busca por Diadorim, cuja identidade e a paixão que desperta nele se misturam em sua mente de forma conflitante. Nesse cenário de guerra e hostilidade, Riobaldo se vê confrontado com dilemas éticos, morais e existenciais que moldam sua jornada.

Não se deixem enganar pela introdução do texto; a obra possui momentos de grande interesse. O seu início, particularmente a maneira como uma das personagens lida com o luto pela perda da filha, parece capturar uma experiência profundamente humana, quase como se estivéssemos testemunhando uma obra capaz de mesclar ficção e um retrato documental de um Brasil em crise. No entanto, após esse acontecimento inicial, o filme parece seguir por etapas que carecem de sustentação, perdendo-se em uma abordagem maneirista. O voice over, em especial, interrompe constantemente a narrativa presente para dar espaço à atuação de Caio Blat, como se as imagens por si só não fossem capazes de transmitir as nuances do enredo. Inicialmente um suporte, a voz de Blat acaba assumindo o papel de guia, conduzindo-nos pelas cenas como se fôssemos crianças necessitadas de constante explicação, tudo objetificado e distante da subjetividade.

Outro aspecto crucial são os momentos em que Guel Arraes oscila entre uma abordagem teatral e o realismo, uma alternância que não se integra de forma eficaz ao núcleo narrativo. Ao invés de enriquecer os eventos da trama, esses momentos enfraquecem a potência das situações, falhando em transmitir sentimentos genuínos. Além disso, é evidente que os momentos de realismo, como algumas cenas de ação ou diálogos entre os atores, carecem de convicção, o que abre espaço para críticas que colocam a obra como uma expressão amadora ou carente de sensibilidade.

Quanto às atuações, é possível identificar atuações favoráveis, especialmente entre os coadjuvantes. Contudo, em alguns momentos, o texto pode não colaborar, e os rostos dos atores transmitem certa apatia, como se estivessem desprovidos do entusiasmo necessário para interpretar seus papéis com vigor. Ao longo da obra, parece que até o diretor vai desistindo, optando por cada corte em uma cena para gerar um estímulo no espectador mais preguiçoso.

Estamos na expectativa de novidades, já que há outro filme do diretor em processo de lançamento; entretanto, o pessimismo prevalece, especialmente considerando que se trata de uma continuação que talvez não fosse necessária. Não vou elaborar sobre como os corpos pretos são vistos nesse filme, mas em outro momento espero escrever 10 páginas do que não aplicar em uma narrativa.


Filme: Grande Sertão
Elenco: Caio Blat, Luisa Arraes, Eduardo Sterblitch, Rodrigo Lombardi, Luís Miranda e Mariana Nunes
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes e Jorge Furtado
Produção: Brasil.
Ano: 2024.
Gênero: Drama, Ação e Romance
Sinopse: Grande Sertão adapta o clássico romance da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, para a realidade da periferia urbana. Na trama, a comunidade “Grande Sertão” é controlada por facções criminosas onde uma luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra. Neste lugar, Riobaldo (Caio Blat) acaba entrando em uma delas para seguir Diadorim (Luisa Arraes), cuja identidade e a paixão que sente são mistérios conflitantes em sua cabeça. A partir de então, em meio a um ambiente hostil de guerra, Riobaldo enfrenta dilemas éticos, morais e existenciais, enquanto busca entender seu lugar no mundo e sua própria natureza.
Classificação: 18 anos.
Distribuidor: Paris Filmes
Streaming: Indisponível.
Nota: 3,0

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