Delicadeza é a palavra com que podemos descrever o filme biográfico Homem com H, dirigido e roteirizado pelo diretor Esmir Filho (que já foi premiado em Cannes e Locarno), lançado agora em 2025.
O filme narra a majestosa trajetória do cantor Ney Matogrosso, um dos artistas mais excêntricos e inovadores da música popular brasileira. Retrata de uma forma muito bonita (com riqueza de detalhes e bem delicada) todas as fases da vida de Ney, sua luta contra um pai militar e opressor (Rômulo Braga) até sua juventude, o descobrimento de sua fluída sexualidade, seu propósito de vida e seu estilo de vida conforme as décadas vão passando.
Esta biografia é montada de uma forma não linear e apresenta uma exímia fotografia – elementos que são cerejas do bolo deste filme –, numa verdadeira obra de arte de caleidoscópio de corpos, movimentos e cores, remetendo à grande ousadia de quem está sendo retratado. A atuação de Jesuíta Barbosa (interpretando Ney) assusta de tanta similaridade, mesmo dublando as canções, entrega uma excelência na tela e, principalmente, nas danças e trejeitos, um verdadeiro cover. As cenas de seus primeiros shows, com o protagonista caracterizado com uma maquiagem que lembra um lêmure e roupas extravagantes étnicas ao som de “Homem de Neanderthal”, ilustram a transição de Ney de Sousa Pereira para nosso conhecido Ney Matogrosso (Matogrosso vem do primeiro sobrenome de seu pai) reafirmando sua orientação homossexual para o mundo.
O filme retrata a infância, adolescência e ascensão do cantor até a fama, quando se reafirmou artista em carreira solo, depois do meteórico sucesso dos Secos e Molhados. A cenografia e o figurino são excelentes; assim como todo o filme, que é impecável. As cenas eróticas, dos casos amorosos tórridos que Ney tinha em seu apartamento, são retratadas de forma poética, sem exageros.
Jesuíta Barbosa, ator que interpreta Ney, incorporou realmente a personagem e precisou passar por uma transformação intensa, como perder 12 quilos para retratar o cantor dos 15 aos 50 anos no filme, passando também por muita preparação vocal e corporal. Acreditem, ele está idêntico, corpo, voz (mesmo dublado, seu tom nas falas lembra bastante o verdadeiro Ney) e alma. Contou com implantes fio a fio no corpo para criar uma robusta pelagem nos peitos, usou prótese dentária, lentes de contato – já que o ator tem olhos verdes e Ney, castanhos – e perucas.
O destaque importante é que toda voz CANTADA foi dublada pelo próprio Ney Matogrosso.
Outro ponto muito relevante na película são os relacionamentos tórridos que Ney teve com Cazuza (no filme, é construída uma abordagem central em cima deste relacionamento) e com Marcos – seu namorado que contraiu HIV e ele não.
O filme se baseia em dois livros “Ney Matogrosso: A Biografia” (Julio Maria, Companhia das Letras, 2021) e “Vira-Lata de Raça” ( , Tordesilhas, 2018). A fotografia do filme foi muito bem pensada com as cores correspondendo ao psicológico do cantor, as cenas de romance ou de maior agitação foram feitas com cores quentes e bem avermelhadas com “fog” para criar uma ilusão de cenas oníricas e nostálgicas, dando uma nota dez para a direção de arte do filme.
Finalmente tenho que admitir que Homem com H é um filme biográfico extremamente bem feito e pensado, sendo que é muito difícil ter tanta excelência neste gênero, em minha opinião, pois filmes biográficos têm a tendência de seus personagens ficarem um tanto caricatos. É um filme nacional de qualidade e que retrata uma das figuras mais famosas e excêntricas de nossa música, num tom poético e visceral, prendendo o espectador sem ser piegas ou modorrento, com um desfecho belo, triunfante e cheio das realizações de Ney, já idoso. Recomendadíssimo.
![]() |
Filme: Homem com H Elenco: Jesuíta Barbosa, Caroline Abras, Rômulo Braga, Bruno Montaleone Direção: Esmir Filho Roteiro: Esmir Filho Produção: Brasil Ano: 2025 Gênero: Biográfico Sinopse: Um mergulho na vida do cantor brasileiro Ney Matogrosso. Classificação: 16 anos Distribuidor: Paris Filmes Streaming: Indisponível Nota: 10 |