CRÍTICA – I SAW THE TV GLOW

CRÍTICA – I SAW THE TV GLOW

I Saw the TV Glow apresenta a vida do jovem Owen (Ian Foreman/Justice Smith). Owen é fascinado pela série de televisão The Pink Opaque, mesmo nunca tendo visto-a. Filho de pais conservadores, o garoto não pode ficar acordado para assistir à exibição no sábado à noite. Quando ele conhece Maddy (Brigette Lundy-Paine), a menina o chama para assistir em sua casa. A partir deste ritual semanal dos dois, eles se encontram cada vez mais envoltos na história televisiva, e as fronteiras entre realidade e ficção se esvaem progressivamente.

Nostalgia pelo fascínio

Jane Schoenbrun evoca um certo senso de nostalgia, que está mais pautado em eventos do que em coisas materiais. Em outras palavras, a nostalgia vem daqueles momentos onde nos reuníamos com amigos para apreciar um filme — talvez terror? — com uma pipoca em uma sala escura. Sem escolher o que assistir dentre um catálogo infinito de streaming, apenas ligando a televisão e deixando em algum canal. Apreciando, sem muita pretensão, o brilho da tela em meio à escuridão do quarto. Nestes momentos, é como se nada mais existisse; apenas nós e o que estamos assistindo.

A saudade que I Saw the TV Glow desperta destes momentos talvez converse mais com aqueles que eram jovens quando tiveram essas experiências. Isto é, a inocência da juventude permite um encantamento maior pelo conteúdo observado na televisão. Não que quando mais velhos percamos tal habilidade; mas na juventude o encanto beira o fanatismo. Aquela série favorita da sua adolescência que era tudo o que você pensava; ou aquele livro, que quando você não estava falando sobre ele, estava torcendo para alguém falar.

Desse modo, a diretora acaba por conceber uma aspecto metalinguístico para o filme. Uma vez que o personagem principal se enxerga dentro da série que ele assiste; e o espectador se visualiza refletido em Owen. É como um espelho apontando para um espelho; camadas infinitas que apontam para a reflexão seguinte. Você olha para a primeira, que está olhando para a segunda, que vislumbra a terceira.

As formas de I Saw the TV Glow

É interessante como a forma é diferente dentro de cada uma destas camadas. Primeiramente pela imagem análogica. The Pink Opaque é aquela série antiga que você assistia na televisão de tubo, com a imagem granulada em um aspecto quadrado. Posteriormente, pela construção daquele mundo interno; uma mistura de programa infantil com filme de terror. O tipo de maluquice visual que resultaria caso algum Teletubby tivesse um filho com David Lynch. Não é preciso acrescentar, mas mesmo assim irei, é uma maluquice pra lá de charmosa.

Enquanto isso, na camada intermediária, o mundo onde Owen reside, as coisas são, a princípio, mais sóbrias. Em outras palavras, se assemelha com nosso mundo. Contudo, conforme Owen se reconhece cada vez mais dentro de The Pink Opaque, I Saw the TV Glow vai quebrando a semelhança com o nosso mundo na medida em que vai distorcendo o do protagonista.

Assim sendo, as barreiras entre ficção e realidade se esvaem cada vez mais, e The Pink Opaque adentra pouco a pouco a realidade do protagonista. Por consequência, as maluquices do mundo da série vão se misturando com a sobriedade da realidade, e tudo toma um aspecto alucinante e colorido; onde a semelhança com o nosso mundo deixa de ser prioridade e abre espaço para explorar a psique de Owen. A partir deste momento, existe até uma certa semelhança com Videodrome – A Síndrome do Vídeo (Cronenberg, 1983). 

Dor exposta no visual

Dessa maneira, o modo com o qual Schoenbrun conduz sua narrativa acaba sendo nostálgico para um recorte de público ao mesmo tempo em que soa estranho. Afinal, conforme a obra vai se despindo, o filme se distancia de nossa vida para se aproximar da vida do protagonista. Assim como a camada que separa o mundo de I Saw the TV Glow com o de The Pink Opaque é destroçada, as barreiras da mente de Owen também são destruídas, expondo seus traumas e medos.

O modo como a obra se aproveita dos aspectos visuais e da alucinógena mistura entre o real e o burlesco se revela como uma ferramenta sensível e potente para trabalhar os problemas do garoto. Problemas, estes, que assolam o protagonista por toda sua vida. A diretora articula os elementos, sobretudo estéticos, para reforçar o sentimento de opressão que Owen tem em seu interior; o sofrimento do garoto transborda o filme por completo. Traumas, abusos, identificação, sexualidade. Diversas questões delicadas para ele são trabalhadas mais por imagens do que palavras, revelando a grande força de I Saw the TV Glow.


Poster do filme I Saw the TV Glow, dirigido por Jane Schoenbrun. Filme: I Saw the TV Glow
Elenco: Justice Smith, Brigette Lundy-Paine, Ian Foreman, Helena Howard, Lindsey Jordan
Direção: Jane Schoenbrun
Roteiro: Jane Schoenbrun
Produção: EUA
Ano: 2024
Gênero: Drama, Terror
Sinopse: Owen e Maddy são fascinados por um seriado de TV. Os dois se encontram cada vez mais envoltos na história televisiva, e as fronteiras entre realidade e ficção se esvaem progressivamente.
Classificação: 14 anos

Streaming: Não disponível
Nota: 10

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