O que você espera estar fazendo aos 94 anos? Clint Eastwood sabe bem responder. Jurado Nº 2 é seu mais novo lançamento pela Warner Bros. e, vale ressaltar, foi seu primeiro filme a não ter uma estreia oficial no grande circuito comercial dos cinemas. O motivo do descaso não foi divulgado. No longa, Clint reafirma seu domínio veterano na direção numa obra que ganha poder na simplicidade.
Abastecido pelo bom e velho método Clint Eastwood, que consiste no tom direto e na estrutura que compõe a narrativa através de flashbacks que vão expondo os fatos ocultos aos poucos, Jurado Nº 2 faz com passos curtos uma trilha muito bem amarrada e bem direcionada; fruto de uma lucidez extraordinária de nosso calejado cineasta. Explico: você pode até não compartilhar dos ideais conservadores e liberais de Eastwood, mas não pode negar sua consistência e seu olhar crítico. Jurado Nº 2 traz consigo uma sóbria crítica ao sistema de justiça, e a dilui muito bem em tudo que gira em torno de seus personagens. É uma abordagem muito pé no chão.
A trama é até mesmo básica, mas muito eficaz: há um dilema que corrói gradualmente Justin, um jurado que entra em conflito interno ao achar que tem envolvimento com o crime do caso em que está inserido; um feminicídio. O suspeito é o namorado abusivo da falecida que, na noite do fato, a agrediu num bar. E, como havia sido dito, não há grandes peripécias para que os temas casem com os subtextos das cenas. Tudo é muito homogêneo, isso porque Clint deposita muita fé na força da narrativa e dos personagens, dominando-os cabalmente cena por cena sem a necessidade de quaisquer extravagâncias ou demais aparatos externos. É, em bom sentido cinematográfico, bastante cru.
Contando com seu parceiro editor de longa data, Joel Cox, percebe-se também a sutileza em não realizar movimentos bruscos, num ritmo que prioriza as atuações e os desdobramentos internos. Aliás, a montagem como um todo não é priorizada, e existem até mesmo alguns erros de continuidade que também comprovam que, aos 94 anos, Clint não está (ou nem nunca esteve) mais interessado com a realização estética do que com o conteúdo (ainda que a qualidade da fotografia seja exuberante). Contamos aqui com planos tradicionais, e toda a aura clássica de Clint.
Existe uma sensibilidade latente em tudo que envolve a família de Justin. Sua esposa grávida, vivida pela jovem Zoey Deutch, é uma personagem muito delicada e seu dilema com o marido nos comove e faz temer pelo futuro de seu filho. Clint Eastwood, aliás, sempre teve um olhar apurado e sensível para tudo que envolve família e crianças, e pondo em cheque a moralidade “um pai de família preso X um abusivo inocentado”. Duramente, existe a sensação de que uma tragédia pode ser anunciada a qualquer momento e, nisso, Nicholas Hoult entrega um protagonista de gala, com uma minuciosa degradação que atormenta bastante o espectador, que observa de perto seu martírio, ainda que com certa ambiguidade.
Diferente das contraversões vistas quando dirigiu Sobre Meninos e Lobos 20 anos atrás (mais ousado e mais gráfico), Clint também não vê mais necessidade do choque gráfico, focando mesmo em aprofundar dilemas morais, dedicado a abordar a falência moral das instituições estadunidenses, e conflitando os polos do estado X indivíduo, como quando é necessário ou não ser honesto, mesmo que a omissão seja para não deixar de punir um abusador. Afinal, quem merece ser punido de verdade? Somos forçados a questionar nossos preceitos de culpa, responsabilidade penal, redenção e vingança.
Aderindo a um classicismo (que no fim do dia é uma maneira mais calma para lidar com as injustiça, ao invés do frenesi), Jurado Nº 2 não revoluciona nada mas domina em tudo o que propõe. Toni Collette e JK Simmons trazem também sólidas atuações – prazerosas de se ver em tela. E no geral, temos um filme de tribunal que sabe ser acima da média, trazendo paralelos com 12 Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet. E reforça a sabedoria de um homem que compreende que, tanto na vida quanto no cinema, é tudo uma questão de perspectiva.
Filme: Juror #2 (Jurado Nº 2) Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, Chris Messina, Zoey Deutch, J.K. Simmons, Cedric Yarbrough, Kiefer Sutherland, Gabriel Basso, Amy Aquino, Leslie Bibb Direção: Clint Eastwood Roteiro: Jonathan A. Abrams Produção: Estados Unidos Ano: 2024 Gênero: Drama, Crime Sinopse: O pai de família Justin Kemp atua como jurado em um julgamento por assassinato de destaque, se vê enfrentando um grave dilema moral… podendo influenciar o veredito do júri e talvez condenar – ou libertar – o assassino acusado. Classificação: 13 Distribuidor: Warner Bros. Pictures Streaming: Max Nota: 8,5 |