CRÍTICA – LA CHIMERA

CRÍTICA – LA CHIMERA

Segundo o dicionário Oxford, a palavra quimera tem, entre outros, o seguinte significado: “produto da imaginação, sem possibilidade de realizar-se; absurdo, fantasia.” La Chimera (2023), de Alice Rohrwacher (As Maravilhas, 2014), é cheio de símbolos e significados diversos. Em uma história que explora tanto o amor à arte quanto o amor entre duas pessoas, o filme acompanha o protagonista Arthur, interpretado por Josh O’Connor, em uma jornada em busca de Beniamina (Yle Vianello), sua própria quimera que está desaparecida.

Devo comentar, logo de início, que o trabalho de Rohrwacher é cercado de “peculiaridades”. Seus filmes são, em sua maioria, preenchidos por metáforas que por vezes soam sem sentido para parte do público que os assiste. Em La Chimera, como o esperado, não é diferente. Sua narrativa fragmentada, pode causar a impressão de que não chegará a lugar nenhum, porém, se prestarmos atenção aos símbolos, que em alguns momentos são quase imperceptíveis, conseguimos pegar o fio que une a essência da obra.

Arthur é um “arqueólogo” inglês vivendo na região etrusca da Itália. Seu trabalho consiste em, junto com sua equipe de andarilhos, invadir as catacumbas antigas espalhadas pela região para roubar artefatos utilizados como oferendas durante as cerimônias fúnebres. A primeira apresentação deste personagem se dá, inclusive, em sua saída da prisão, onde passou alguns meses por conta de seu “trabalho”. Dotado de um “poder” quase sobrenatural, Arthur é capaz de descobrir onde se encontram as tumbas com um graveto, sendo um membro importante do grupo de ladrões.

É válido mencionar aqui o comprometimento de Josh O’Connor em sua interpretação. Uma das surpresas que tive assistindo ao filme foi o fato de o ator britânico ter aprendido o idioma italiano, algo não muito comum a atores de língua inglesa. Sua interpretação, para além da língua, condiz bastante com o papel que lhe foi concedido, com uma personalidade carregada de uma aura triste e sombria que, à medida em que os eventos do enredo vão se enfileirando, tornam o personagem mais e mais fechado em si mesmo.

Há ainda a participação da atriz brasileira Carol Duarte (A Vida Invisível, 2019) no papel de Itália, uma jovem brasileira que vive na Itália e estuda canto com a mãe de Beniamina, interpretada por Isabella Rosselini. As interações entre Itália e Arthur estão entre os melhores momentos do filme, uma vez que o choque entre personalidades e mentalidades serve como o fio que liga os dois personagens. É através de Itália que um dos maiores símbolos do filme é apresentado pela primeira vez, quando ela percebe que os troncos de uma árvore se parecem com a carta do Enforcado no tarô.

Este símbolo do tarô é apresentado durante a obra quando por diversas vezes a imagem é virada de ponta a cabeça, mostrando um Arthur de cabeça para baixo. O significado da carta, que tem a ver com sacrifícios, culpa e punição é de muita relevância para o enredo do filme e diz muito dos acontecimentos que ainda estão por vir. A jornada do protagonista, em busca de uma pessoa, ou pelo menos da ideia dela, é amarrada pelo fio vermelho que liga os dois personagens. Em suas visões quase que alucinógenas, Arthur encontra e conversa com sua amada, que parece cada vez mais distante e ao mesmo tempo mais perto de si.

“Algumas coisas não foram feitas para os olhos dos homens” é uma passagem importante que sempre que mencionada carrega muito do significado do filme. A medida em que Arthur se vê cada vez mais enrolado e preso no fio vermelho do destino, suas opções, dentro daquilo que lhe é possível, vão se afunilando e tornando seu desfecho mais aparente. Uma das melhores sequências é preservada até o último ato do filme, quando há, inclusive, a participação de Alba Rorhwacher – atriz e irmã de Alice Rorhwacher.

É neste último ato que todo o simbolismo empregado no decorrer da obra é posto em “prática”. Quase que didaticamente, o filme de Rorhwacher apresenta, em uma cadeia de acontecimentos finais, os significados de suas imagens. A jornada de Arthur, que começa de forma semelhante à jornada da carta do Louco no tarô, completa o ciclo de sua existência, lhe conduzindo ao destino pelo qual buscou ao longo de todo o caminho percorrido por ele desde sua saída da prisão.

La Chimera é um filme pura arte, todo e cada pedacinho dessa obra funciona como parte de um grande quadro que vai se formando a cada pequeno acontecimento, seja ele trágico ou não. As imagens projetadas no longa-metragem, para além do significado que trazem, são preenchidas por uma beleza quase transcendental, algo comum à muitas das outras obras da diretora e roteirista. A sua quimera, que pode ter um significado ambíguo, aqui, funciona da maneira que deve funcionar, tragando o espectador para o seu mundo onde realidade e fantasia se fundem.


Filme: La Chimera
Elenco: Josh O’Connor, Carol Duarte, Isabella Rossellini, Yle Vianello, Alba Rohrwacher, Vincenzo Nemolato, Lou Roy-Lecollinet.
Direção: Alice Rohrwacher
Roteiro: Alice Rohrwacher
Produção: França, Itália, Suíça, Turquia
Ano: 2023
Gênero: Drama, Fantasia
Sinopse: Todos têm sua própria Quimera, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda parte em busca de um mitológico caminho para a vida após a morte. Numa jornada entre vivos e mortos, entre florestas e cidades, entre celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Filmes da Mostra de São Paulo
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

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