CRÍTICA – LA PARLE

CRÍTICA – LA PARLE

La Parle é o nome de uma onda mítica localizada na Costa Basca europeia. Lá, diz a lenda, os povos antigos iam olhar essas ondas para pensar e discutir seus problemas, depositando nelas suas esperanças e frustrações, em busca de uma resolução. O filme La Parle (2022), escrito, dirigido e atuado por Fanny Boldini, Gabriela Boeri, Kevin Vanstaen e Simon Boulier conta a história de quatro pessoas que passam juntas um período de férias nesse local mágico e as relações formadas entre esses indivíduos.

Filmado inteiramente com celulares, a estética do filme busca se aproximar do comum na realidade do expectador. Ao mesmo tempo em que utiliza esse meio tão difundido em nossa sociedade atual e um símbolo da atualização rápida demais nos meios de comunicação, La Parle pelo contrário é um filme lento. Não no sentido de lentidão no contar de suas histórias, mas no sentido do mar. As ondas, um personagem à parte aqui, ditam o ritmo do que é contado e de como se é contado. Em alguns momentos vemos a calmaria do mar no fim do dia e em outros a agitação revolta dessas ondas.

Diante de nós estão quatro personagens passando cada um por um conflito interno diferente. Os três amigos Fanny, Kevin e Simon que estão de passagem pela Costa se hospedam com Gabriela, uma brasileira que já vive a alguns anos na França e sente o peso da distância de suas raízes.

Enquanto Fanny adia uma ida ao hospital para o controle de um câncer, Kevin tenta, mesmo sem perceber, fazer as pazes consigo mesmo e com seu pai, que recentemente assumiu um relacionamento com outro homem – tema que resultou no filme que Kevin está dirigindo, protagonizado por Simon. – Gabriela, por sua vez, enfrenta de longe a doença de sua avó no Brasil. Em ligações emocionantes, essa personagem fala todos os dias as mesmas coisas para a senhora que perde a memória um pouco mais a cada dia.

Algo muito marcante na narrativa de La Parle é a casualidade em que a obra se propõe a contar suas histórias. Notamos em alguns momentos diálogos bastante banais e até um pouco bobos e tal feito não parece forçado nem “encaixado” de qualquer maneira no roteiro. À medida que conhecemos um pouco melhor esses personagens e suas personalidades tão distintas, passamos a entender seus modos de agir e de pensar diante das circunstâncias em que se encontram e essas conversas banais se mostram nem tão banais assim.

O uso de preto e branco em alguns momentos nos faz lamentar a “falta” de cores, uma vez que a cor azul está sempre em evidência nas conversas do quarteto. A cor do mar, do céu e de outras coisas importantes para a narrativa só é mencionada no filme e se mantém na nossa mente até os minutos finais. Essa cor, utilizada muitas vezes para representar uma espécie de angústia, é ressignificada a partir das experiências e vivências dos personagens de La Parle.

Outro aspecto marcante do filme está em sua trilha sonora original. A melodia que embala diálogos e cenas no mar nos transporta para esse lugar e as notas musicais simulam o movimento das ondas, entregando ao espectador uma sensação de calma. Talvez a característica mais importante de La Parle esteja nessa calmaria que o filme proporciona. Ainda que estejamos apreensivos com certos desdobramentos na narrativa, o movimento que a obra faz é de sempre manter a experiência de uma viagem de férias para o espectador.

As ondas, que aparecem no título do filme, acompanham a história desde o início, onde ouvimos um monólogo sobre a natureza selvagem e ao mesmo tempo suave das ondas até o final, onde vemos o movimento – desta vez delicado – das ondas azuis de um prisma diferente. Ao fim, tudo é onda. Algumas vezes daquelas assustadoras e destruidoras, em outras somente uma pequena perturbação na calmaria, e ainda há aquelas que apenas ensaiam para acontecer e não acontecem, cheias de movimento abaixo da superfície e extremamente calmas acima dela. Como os causos da vida cotidiana, elas se mostram imprevisíveis e indomesticáveis.

La Parle é um filme que traz em sua narrativa histórias cotidianas que vem como as ondas e que vão também com elas. Nem sempre essas histórias serão as mais felizes e nem sempre elas se resolverão, porém, de alguma forma esses personagens lidarão com suas questões, sendo elas passageiras ou não. Uma obra bonita em sua casualidade e poética em seu texto aparentemente simples, La Parle estreia nos cinemas brasileiros em 29 de junho.


  Filme: La Parle
Elenco: Fanny Boldini, Gabriela Boeri, Kevin Vanstaen, Simon Boulier.
Direção: Fanny Boldini, Gabriela Boeri, Kevin Vanstaen, Simon Boulier.
Roteiro: Fanny Boldini, Gabriela Boeri, Kevin Vanstaen, Simon Boulier.
Produção: Brasil, França
Ano: 2022
Gênero: Drama
Sinopse: Enquanto Fanny lida com um check-up médico durante as férias de verão, um momento de relaxamento se transforma em uma experiência intensa quando quatro amigos encontram maneiras inesperadas de se relacionar.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,5

*Estreia nos cinemas no dia 29 de junho de 2023*

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