CRÍTICA – LEVANTE

CRÍTICA – LEVANTE

A diretora Lillah Halla não precisa de mais do que 5 minutos de filme para apresentar o seu olhar irônico para a figura do “brasileiro de bem” com muito bom humor e o recorte social que coloca a resistência de mulheres negras  LGBTs da periferia de São Paulo frente o conservadorismo como protagonismo de Levante, filme premiado em Cannes e que marca a estreia de Halla em longas-metragens. 

Em Levante acompanhamos Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem e promissora jogadora de vôlei de apenas 17 anos que descobre que está grávida às vésperas de um campeonato decisivo que pode mudar a sua vida, levando-a para estudar e morar, mesmo que brevemente, no exterior. A partir deste momento ela tem apenas a certeza de que não pode ser mãe. No entanto, ela se vê desamparada pelas leis do Brasil que criminalizam o aborto, permitindo-o legalmente e gratuitamente apenas em casos específicos – ignorando a realidade da periferia do país e o conceito de ESTADO LAICO. Esta gigantesca barreira que Sofia vê em sua frente a coloca como penitente, já que mulheres de classe média conseguem fazer o aborto de forma segura e pagando muito caro para isso. O próprio tema a respeito da acessibilidade de produtos de saúde íntima já são muito bem posicionadas desde o começo, já que nem mesmo um absorvente está de fácil acesso e as meninas precisam furtá-los na farmácia.

Desde o começo Halla deixa claro que sua história é também sobretudo uma ode aos corpos marginalizados que o sistema ignora. A festa que elas fazem com luzes neon, músicas que as empoderam, os beijos e os abraços e a maneira como a câmera navega e filma tudo isso afirmam esse olhar de respeito e acolhimento. Assim, torna-se interessante e ainda mais dramático a situação de Sofia, que passa a olhar para o seu corpo com descontentamento e até certo nojo. A atuação de Domenica quase nunca nos deixa cravar o que está passando pela sua cabeça. Nunca sabemos se é raiva, tristeza, medo ou angústia (sabemos quais sentimentos não são, claro) e é incrível como a atriz trabalha tão bem principalmente esse turbilhão de sentimentos, principalmente nos seus momentos mais introspectivos, onde seu olhar cria diálogos com os nossos.

A diretora encontra na onipresença da personagem de Domenica um espaço para aprofundar outros personagens, como o pai, a técnica vivida por Grace Passô e outras meninas do time que não são apenas ferramentas desta trágica história de Sofia. Muitas vezes eles agem de forma tão humana, que quase nos revoltamos com eles até entendermos a complexidade desta situação para um pai, por exemplo, no vácuo deixado pela mãe que faleceu quando Sofia ainda era criança e na frustração de algumas amigas que sabem como ajudar Sofia. Por outro lado, Lillah Halla entende que o mesmo trato não pode ser dado ao lado opressor e estabelece que o único retrato que os cabe aqui é caricatura. Mas, ao contrário de Pedágio, que se perde na representação satírica do conservadorismo, as ações deste grupo em Levante não poderiam ser, infelizmente, mais reais.

Nos últimos anos, vivenciamos casos hediondos e tristes envolvendo a pauta do aborto e a violência dos grupos fundamentalistas e jornalistas sensacionalistas para com as vítimas. Levante trabalha dentro deste cerne sem papas na língua e sem amenizar ou ironizar situações, falando de forma educativa e responsável sobre o processo de aborto e as dores que mulheres e meninas da periferia passam.

Por conta desta narrativa bastante pé no chão e intimista, refleti muito em relação a todo caos final, pois em primeiro momento me soou forçado ou megalomaníaco, destoando muito do filme como um todo. Porém, depois pensei bem e relembrei do ótimo Menarca e para mim ficou muito claro de que toda aquela briga generalizada instaurada na última metade do filme funciona muito mais como metáfora do que de fato como ação para inflar as consequências da história. É um lembrete de que, no final, estes grupos fundamentalistas não estão nem aí para o feto, eles só buscam oprimir em prol da moral e dos bons costumes.

Em meio a uma trama densa, pesada e um final quase azedo de tão agridoce, é reconfortante e inteligente ver como Halla termina seu filme fazendo jus ao título. O nome do longa não é “Embate” ou “Enfrente” e não é apenas uma analogia ao vôlei, mas sim um entendimento que esta luta contra o sistema conservador é uma luta que deve ser lutada, mas que muito provavelmente terminará no chão. A partir daqui, mais importante do que a própria luta e as conquistas é saber se reerguer e ter um time, uma família escolhida e uma rede apoia para que, no final,  a personagem “levante!”.


Levante | Poster Filme: Levante
Elenco: Ayomi Domenica, Grace Passô e Rômulo Braga
Direção: Lillah Halla
Roteiro: Lillah Halla e María Elena Morán Atencio
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Levante acompanha Sofia, uma jovem atleta que, às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para sua carreira como esportista, descobre estar grávida. Na comoção do momento, ela só tem uma certeza: não pode virar mãe, não agora.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Lira Filmes, Vitrine Filmes
Streaming: Globoplay
Nota: 8,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *