CRÍTICA – LOBOS

CRÍTICA – LOBOS

Lobos (2024), de Jon Watts, é uma comédia de ação que traz George Clooney e Brad Pitt como dois solucionadores profissionais que trabalham para encobrir crimes de alto perfil. Clooney é contratado para eliminar problemas para uma cliente influente, enquanto Pitt aparece, contratado por outra pessoa, com a mesma missão. O que começa como uma tarefa rotineira logo se complica quando os dois se encontram em uma noite caótica, cheia de reviravoltas e revelações inesperadas.

A frieza da madrugada

Quatro da manhã da sexta-feira; metade das pessoas foram dormir, a outra metade se aventura pelos prazeres devassos da madrugada. Álcool, cigarro, drogas, sexo, não há nada como as últimas horas da lua de uma sexta, há? Você não está dormindo, mas também não está navegando na noite boêmia. Não, você está sozinho, abandonado e solitário, como um vampiro que caminha pela noite em busca de algo que valorize as horas que ainda tem acordado. Seus passos ecoam pelo estacionamento vazio, em direção ao único carro, que reside ali como uma carcaça sem alma. Não tem nada acontecendo no estacionamento, nem um resquício de vida por ali a não ser a sua. Na sua cabeça, apenas a perspectiva de voltar para casa e aceitar o caloroso abraço do cobertor. Não há perigo, apenas siga até seu carro e encaminhe para o fim da noite. 

Por mais que, à primeira vista, tudo esteja certo, você consegue ouvir o leve sussurro do desconforto nos pés do seu ouvido, não consegue? Será que é apenas a melancolia da solidão — ressaltada pela consciência de que muitas pessoas estão se divertindo cidade afora e você não — ou é um presságio de algo mais sombrio e perigoso que poderia estar se escondendo no canto escuro do estacionamento vazio? Será que existe de fato algum perigo naquele estacionamento, ou a ansiedade que corrói sua mente é apenas uma manifestação da tristeza de não ter uma companhia? Você aperta seus passos, sua respiração se aprofunda, e finalmente você chega no carro; mas o arrepio na sua nuca não vai embora. A solidão atinge um lugar que poucos sentimentos atingem.

A atmosfera de Lobos (2024)

Esse sentimento, um pouco melancólico e um pouco assustador, é muito parecido com a sensação que assistir Lobos (2024) evoca. Jon Watts parece saber lidar muito bem tanto com a solidão quanto com a noite. Clooney e Pitt, dois lobos solitários que atuam após o sol se pôr, são obrigados a encarar suas solitudes e os perigos que habitam a cidade à noite. A fotografia com baixo contraste faz com que as sombras engulam boa parte do quadro, ressaltando a opressão da madrugada — às vezes contraposta com luzes brilhantes, ou neons, que lembram que alguns poucos sortudos se regozijam nos prazeres da noite. Os espaços vazios no cenário acentuam a jornada insociável dos protagonistas. Até mesmo o fato de ambos não terem nomes salienta esse pesar de estar sozinho.

Watts é muito competente em construir uma atmosfera palpável com essas características. É um filme que não funcionaria fora desse contexto. Isto é, depende intimamente da solidão da noite. As ruas que os protagonistas percorrem, os lugares que eles entram, os becos encontrados, todos os locais transpiram essa melancolia da madrugada. O diretor está sempre buscando por aspectos da linguagem que corroborem para essa aura; seja a trilha, a fotografia, os ângulos, ou qualquer elemento que for, sempre bem articulados para buscar isso.

Controle narrativo

Nesse sentido, o trabalho de Watts chega a lembrar Michael Mann em Colateral (2004), ou Noite Sem Fim (Collet-Serra, 2015). Dois filmes que, assim como Lobos (2024), decorrem em uma única madrugada e trabalham com esses sentimentos mistos que tanto a solidão quanto a noite trazem. Entretanto, diferente dos exemplos citados, o longa de Watts carece de uma liberdade maior na progressão narrativa. A jornada dos dois solucionadores soa travada e mecânica. Mesmo que a dupla enfrente percalços e dificuldades, os acontecimentos não têm peso algum. É como se, independente do que eles fizessem, tudo iria acontecer da mesma maneira. Ou seja, o diretor exerce um controle extremo na trama, a ponto de não permitir qualquer acaso ter espaço. Isto é, o filme tem uma fórmula clara, e segue ela a todo rigor, como se estivesse em uma coleira. Até parece que falta tesão em Watts pelo projeto, uma falta de desejo de realmente fazer algo com aquilo e uma sobra de vontade de seguir tudo no caminho mais seguro e pronto possível.

Assim, acaba sendo até contrastante com todo o caos e os inconvenientes que insiste em inserir nos acontecimentos. Será que algum deles realmente representa algum risco? Ou são só um amontoado de episódios sem peso e importância, que vão se aglomerando para ocupar tempo de tela até levar os personagens ao seu destino? Assim como você, que caminha até seu carro no estacionamento vazio sabendo que no fundo não tem nenhum perigo ali e que logo irá para casa, os personagens de Clooney e Pitt também não enfrentam ameaça nenhuma e estão fadados desde o início a chegar em seu destino; completar a fórmula, desempenhar seus papeis na linha de produção.

Falta de importância em Lobos (2024)

Sob essa ótica, nem as revelações que vão surgindo parecem despertar o interesse dos protagonistas — e, por consequência, o nosso. Essa falta de relevância até poderia ser usada (e talvez seja o objetivo) como uma maneira de demonstrar o quanto aqueles homens só se importam com cumprir a missão deles, com o trabalho. Mas, no fundo, o que ela transparece mesmo é o compromisso da narrativa em seguir sua fórmula e chegar ao destino de maneira direta, sem deixar absolutamente nada mudar o rumo já pré-estabelecido.

Até a comédia acaba se revelando meio engessada. Mesmo que ambos os atores trabalhem bem em papeis cômicos (sobretudo Pitt), é meio fora de tom com o clima construído pela forma do filme. Em outras palavras, o mundo de Lobos (2024), é melancólico e solitário, não há espaços para o riso. Dessa forma, a insistência em tentar inserir esses momentos parece mais uma tentativa mecânica de trazer um aspecto de vida para a narrativa do que algo orgânico. 

Lobos (2024) tem uma ótima construção atmosférica. O vazio da noite e a ansiedade que carrega consigo são muito presentes nos enquadramentos e nos cantos escuros da rua. A frieza da solidão é tateável em cada movimento de Clooney e Pitt. Em síntese, poderia ser um grande filme se Watts não tivesse tanto medo de sua própria obra. O diretor tenta domá-la o máximo possível, para não deixar nada sair do controle, e acaba com um resultado tão obediente que é estéril.


Pôster do filme Lobos, dirigido por Jon Watts. Filme: Wolfs (Lobos)
Elenco: George Clooney, Brad Pitt, Austin Abrams, Amy Ryan, Poorna Jagannathan
Direção: Jon Watts
Roteiro: Jon Watts
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Comédia, Crime
Sinopse: Após se envolver na morte de um garoto, uma política contrata um solucionador para acobertar o crime.
Classificação: 14 anos

Streaming: Apple TV+
Nota: 5,0

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