Memória Sufocada (2021), documentário dirigido por Gabriel di Giacomo, se junta a tantas outras obras não ficcionais e ficcionais que abordaram a ditadura militar no Brasil. Fazendo um trocadilho com o titulo do livro escrito pelo já falecido – e nada saudoso – Coronel Carlos Brilhante Ustra, “Verdade Sufocada”, este filme narra os fatos ocorridos, principalmente, dentro do DOI-CODI (SP), que originalmente era a denominação do órgão subordinado ao Exército brasileiro com o intuito de reprimir os opositores, mas que virou o nome, também, de uma edificação em São Paulo – que ainda hoje funciona como uma delegacia –, onde eram realizadas as torturas dos presos políticos.
A realidade mostrada no filme, por si só, já indigna qualquer um. Ouvir os testemunhos daqueles que foram torturados é de dar nó na garganta. Ver e ouvir aquela figura horrenda, aquele que comandou o DOI-CODI de 1970 a 1974, Cel. Ustra, nos dá ânsia. Dito isso, Gabriel di Giacomo não consegue ir além da força que o próprio tema e aqueles elementos apresentados já carregam consigo.
Em uma tentativa de um diálogo com o público mais novo, o diretor até emula interfaces de redes sociais como Facebook, Instagram e Whatsapp. Uma hora temos as notificações do Whatsapp aparecendo, indicando um vídeo recém-chegado na conversa, outra hora vemos os stories de alguém no Instagram. Além disso somos levados a crer que uma pesquisa está sendo feita ali, na hora, pelo diretor e que as peças vão se encaixando perfeitamente, mas, ao contrário do que acontece no documentário “Filme Particular” (2022), da diretora Janaina Nagata, onde ficamos realmente impressionados com o que vemos, principalmente pelo ineditismo do que estamos acompanhando naquela história, aqui já não temos esse fator surpresa.
Nesta obra, de pouco mais de 70 minutos, são usados muitos vídeos de propagandas nacionalistas feitas na época da ditadura, muitas entrevistas de políticos como o caso da entrevista dada pelo jornalista e político Carlos Lacerda para o programa Firing Line nos Estados Unidos, muitos trechos de áudios, incluindo conversas do, então, Presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson com o seu subsecretário de estado George Balls organizando um apoio às Forças Armada Brasileira contra o “Comunismo” e algumas fotos. Nesta última categoria há realmente uma grande surpresa: Pessoas ligadas à Itaipu queimando aldeias. Todo esse material serve para deixar o documentário bem coeso, tratando de pontos bem específicos que vão sendo esmiuçados ao passo que somos levados a novos testemunhos realizados para a Comissão Nacional da Verdade (CNJ).
Gabriel di Giacomo já havia dirigido o documentário “Marcha Cega” (2018) que tratava sobre as violentas repressões policiais nas manifestações/protestos em São Paulo. E em uma dessas manifestações, um fotografo que estava ali trabalhando, Sérgio Silva, é atingido por uma bala de borracha, tiro este que o fez perder a visão de um olho. Com seu novo documentário há um reforço do medo que ele sente do que o Brasil pode voltar a ser. Embora estejamos em 2023 com Lula na presidência, o filme Memória Sufocada estreou em 2021 na 45ª Mostra São Paulo e, naquele momento, havia muita incerteza do que iria acontecer no País com Bolsonaro no poder. Incerteza que durou até o resultado das eleições de 2022.
O diretor faz, inclusive, montagens com imagens e vídeos das manifestações de 2021 com áudios de políticos e militares da época da ditadura. Nesse ponto percebemos o medo real, que salta aos olhos, quando vemos pessoas pedindo a volta do AI-5 e ouvimos torturados falando sobre como sofriam nas mãos dos militares.
Memória Sufocada é um filme triste. A história de desumanidade que o Brasil viveu entre 1964 a 1985 ao mesmo tempo que penso que deveria ser esquecida, refuto, pois é necessária a lembrança amarga para que saibamos que não podemos, jamais, para ali voltar. Giacomo constrói uma narrativa, a qual eu concordo, onde fica claro que o plano de poder (poderia usar a palavra “governo”, mas tudo o que o Brasil não teve nesses últimos 4 anos foi um governo) era instaurar a desordem para existir uma possibilidade de se repetir o 1º de abril de 1964. A diferença – e para a nossa sorte – é que Bolsonaro é incompetente até para isso.
Sinto muito que Giacomo tenha realizado o filme antes da vitória de Lula, pois certamente o final viria com mensagens de esperança.
Filme: Memória Sufocada Direção: Gabriel Di Giacomo Roteiro: Gabriel Di Giacomo Produção: Brasil Ano: 2021 Gênero: Documentário Sinopse: Coronel Ustra foi o único militar condenado como torturador durante a Ditadura. O ex-presidente Jair Bolsonaro o exalta como um herói. Mas qual é a verdade? Através de buscas pela internet, o passado do Brasil vai sendo reconstruído e esbarra no presente. Classificação: 14 anos Distribuidor: Embaúba Filme Streaming: Indisponível Nota: 7,0 *Estreia dia 30 de março de 2023 nos cinemas* |