O documentário Milton Bituca Nascimento se propõe a celebrar a grandiosidade da trajetória de um dos maiores nomes da música brasileira, apresentando sua carreira de forma sensível, lírica e afetiva. Mais do que apenas um registro de sua turnê de despedida, o filme busca capturar a essência de Bituca e sua relação visceral com a arte. A escolha de Fernanda Montenegro como narradora, por sua vez, reforça essa proposta ao conferir uma camada extra de poesia à narrativa, transformando a despedida em algo quase mítico.
O longa também destaca a universalidade da música de Milton Nascimento, mostrando como suas composições ultrapassam barreiras linguísticas e culturais. Mesmo aqueles que não compreendem o português conseguem se emocionar profundamente com suas melodias e interpretações, evidenciando o poder de sua arte. No entanto, o documentário não se limita a essa perspectiva contemplativa e afetiva, abordando também as transformações que a indústria musical sofreu ao longo das décadas e como essas mudanças impactaram a trajetória do artista.
A estrutura do filme mistura entrevistas realizadas em estúdio com cenas ao ar livre, como caminhadas em parques, conferindo uma dinâmica interessante à narrativa. Essa abordagem permite que a câmera registre a beleza dos pequenos gestos e do cotidiano, refletindo o espírito das canções de Milton, que sempre evocaram um profundo lirismo sobre a vida e a existência. No entanto, o documentário não se encerra no caráter nostálgico de uma despedida. Ele reafirma a relevância de Bituca no presente e o legado que continuará a inspirar gerações futuras. A quantidade de depoimentos de grandes nomes da música, de diferentes estilos e épocas, atesta sua influência incontestável.
Apesar de reunir um impressionante conjunto de falas que enaltecem a genialidade de Milton Nascimento, o próprio artista aparece menos do que seria esperado para um filme que leva seu nome. A escolha de manter certa distância pode ter sido uma tentativa de preservá-lo, especialmente em um momento de fragilidade física, que, embora abordado pontualmente, nunca é totalmente explorado. Contudo, essa ausência contribui para um tom excessivamente memorialista, fazendo com que, em alguns momentos, o longa pareça uma homenagem póstuma. Os instantes mais marcantes, ironicamente, são aqueles em que a câmera se detém sobre Milton, permitindo que sua expressão, sua vulnerabilidade e sua presença silenciosa digam mais do que qualquer depoimento.
Outro problema evidente na obra é a falta de coesão narrativa. A princípio, o documentário sugere um recorte claro ao se concentrar na última turnê do artista, o que pareceria uma decisão sensata, considerando a vastidão de sua carreira. No entanto, ao longo do filme, essa abordagem se dilui, e a diretora Flávia Novaes se rende à tentação de abordar múltiplos aspectos de sua trajetória sem um fio condutor bem definido. Em vez de demonstrar de forma mais concreta como Milton transcendeu fronteiras geográficas e temporais, o filme se perde em relatos dispersos que, embora belos, carecem de uma estrutura mais clara.
Além disso, a obra não se preocupa em organizar uma linha do tempo ou fornecer informações mais aprofundadas sobre o artista. Questões como a origem do apelido “Bituca” ou detalhes sobre sua saúde são mencionadas de maneira superficial, sem que o documentário se aprofunde nesses pontos. Como resultado, Milton Bituca Nascimento acaba sendo um filme belíssimo e poeticamente reverente, mas que dialoga melhor com aqueles que já conhecem e admiram o músico do que com um público novo que poderia descobrir sua obra. Por outro lado, a força da arte de Milton Nascimento transcende as limitações do filme. Sua música continua sendo o verdadeiro eixo emocional da obra, sobrepondo-se à estrutura por vezes dispersa e garantindo que, ao final, a experiência ainda seja profundamente tocante.
![]() |
Filme: Milton Bituca Nascimento Elenco: Caetano Veloso, Chico Buarque, Criolo, Djavan, Djonga, Esperanza Spalding, Fito Páez, Gilberto Gil, Herbie Hancock, Ivan Lins, João Bosco, Lô Borges, Mano Brown, Maria Gadú, Pat Metheny, Paul Simon, Quincy Jones, Simone, Spike Lee, Wayne Shorter Direção: Flavia Moraes Roteiro: Flavia Moraes, Marcelo Ferla Produção: Brasil Ano: 2025 Gênero: Documentário Sinopse: O documentário registra a conexão de Milton Nascimento com seus fãs e traz depoimentos de grandes artistas brasileiros e internacionais, enfatizando o alcance e o apelo mundial das músicas do artista. Classificação: Livre Distribuidor: Gullane+ Streaming: Não disponível Nota: 7,0 |