CRÍTICA – MOANA 2

CRÍTICA – MOANA 2

Quando Luca (2021) foi lançado em colaboração com a Pixar, a Disney demonstrou um foco maior no público infantil, afastando-se da tradição de fazer filmes para toda a família, que divertiam as crianças, mas também traziam grande valor para os adultos. Luca priorizou a dinâmica entre os personagens, principalmente a amizade entre os protagonistas, em vez de abordar um conteúdo moral denso e apreciável pelos mais velhos – introduzindo, também, uma abordagem com ênfase maior em estímulos sensoriais e uma narrativa simples, semelhante aos desenhos animados. Como se tratava de uma produção para o streaming, essa abordagem fazia sentido, uma vez que a experiência na plataforma é mais dispersa e o usuário busca um consumo rápido de conteúdo. Mesmo sendo lançado nos cinemas, Moana 2 (2024) segue e aprofunda essa tendência, subestimando o público infantil, ao tratá-lo como facilmente impressionável e indiferente à qualidade.

“Não é hora pra ficar fazendo piadas, Maui.” (Moana)

A Disney, dentro dessa tendência, abandonou a austeridade que permitia aos eventos da narrativa terem peso e impacto criando momentos de reflexão e conexão emocional duradoura. Exemplos claros disso podem ser vistos na morte de Mufasa, em Rei Leão (1994), e na despedida de Andy, em Toy Story 3 (2010). Na contramão, desde Luca, a Disney vem apostando em uma estrutura de estímulos mais imediatos aos sentidos do espectador, cujos objetivos são prender a atenção a qualquer custo, sacrificando momentos de respiro e conexão emocional. Em Moana 2, isso é intensificado tornando-se até mesmo problemático. O excesso de cenários super coloridos e hiper estilizados, o humor forçado e a ação desenfreada são exemplos dos elementos que compõem essa nova estrutura. As piadas são inseridas até nos momentos mais sérios, que deveriam ser sentidos pelo espectador, enfraquecendo a carga emocional de cada cena.

Moana 2 se passa alguns anos após o seu predecessor. A jovem embarca em uma nova viagem após receber um chamado de seus ancestrais. Em sua jornada, deve reunir diferentes povos, separados pelo cruel deus Nalo. Entretanto, desta vez, o mar oferece poucas pistas, desafiando-a a encontrar o seu próprio caminho. O filme reconstrói, em torno de Moana, uma figura que personifica força, coragem e conexão com a tradição de seu povo. No entanto, essa construção – que foi o cerne do primeiro filme – é colocado em segundo plano, revelando um abandono às forças que tornaram o primeiro tão marcante. Assim, até mesmo as músicas, antes utilizadas para explorar esse subtexto, perdem o seu impacto.

“Que equipezinha que você arrumou, hein?” (Maui)

Para enfrentar os perigos e restaurar a harmonia entre as ilhas, a protagonista conta com a ajuda de novos personagens introduzidos a esse universo. Loto, a navegante lunática, Kele, o agricultor rabugento, e Moni, o fortão que é conhecedor dos mitos e uma espécie de tiete do Maui. Embora os personagens tenham sidos selecionados por Moana a partir de critérios rigorosos, com exceção – extremamente pontual – de Loto, suas habilidades sequer contribuem para a superação dos desafios impostos pela história; encontram-se desprovidos de qualquer função narrativa. Extremamente caricatos e estereotipados, estão ali só para preencher cada segundo com diálogos incessantes, impedindo o silêncio, como se temessem que o interesse do público infantil vacilasse. A provocação de Maui, traduzida de forma livre aqui, faz parecer que o filme debocha dos seus próprios personagens criados.

Uma navegadora nunca sabe o caminho que deve seguir, ela só vai…” (Matangi)

Em Luca, o uso dos artifícios para manter a atenção do público infantil funcionava como um aliado à narrativa. Em Moana 2, esses mesmos artifícios competem com a história, fazendo com que a narrativa sequer se estabeleça. Além disso, o filme exacerba a aleatoriedade dos eventos, fazendo com que toda a história progrida por conveniência – e não através do embate de forças narrativas. O encontro entre Moana e Maui, aguardado ansiosamente pelo espectador, e a “ressurreição” da protagonista, são os maiores exemplo de como a aleatoriedade e a falta de desenvolvimento emocional neutralizam o impacto da trama. Opta-se pelos atalhos mais rasteiros, refletindo uma pressa que parece ser interna, onde se busca cumprir com marcos e entregas – vale destacar que há um live action já em produção – despreocupadas com a organicidade do enredo e com a obra como um todo. A fala de Matangi parece fazer um comentário sobre a própria narrativa, que avança sem rumo definido.

E essas decisões não se justificam por se tratar de um filme infantil. A Disney já entregou narrativas muito bem estruturadas e emocionalmente cativantes para esse público. Mulan (1998), Irmão Urso (2003) e Tarzan (1999) são apenas alguns dos exemplos que souberam equilibrar elementos de diversão e profundidade, permitindo uma experiência completa e imersiva. Por outro lado, dentro do conglomerado Disney, também tivemos produções voltadas para o público mais velho que optam pelas mesmas estratégias superficiais de Moana 2. Um exemplo é o caso de Deadpool e Wolverine (2024). Portanto, trata-se não de limitações da classificação etária, mas de uma escolha de subestimar a inteligência do seu público, sobretudo da sua capacidade de engajamento.

O problema em Moana 2 não é facilitar o engajamento infantil – o que sempre esteve presente nas animações da Disney e fazia ainda mais sentido em Luca, um dos primeiros filmes  a ter o seu lançamento originalmente previsto para o streaming –, mas no uso desmedido desses artifícios e na incapacidade de sustentar suas próprias decisões. Ao transformar seus personagens em “porta-vozes” que criticam as próprias decisões do filme, a produção parece não se levar a sério. Na tentativa de criar uma grande ironia em torno de tudo isso, o filme subjulga e debocha do seu público. Ao ultrapassar a linha tênue entre ironia e deboche, vão se formando os contornos de um desastre cômico.

Essa abordagem, infelizmente, parece estar longe de uma revisão por parte da Disney, já que encontra conforto nos paradigmas do sucesso comercial, em que o apressamento dos prazos se torna cada vez mais determinante sobre a qualidade das obras. E o público, além de carente de boas obras, ainda precisa suportar o tom debochado com que a companhia lida com sua própria audiência.


Filme: Moana 2
Elenco: Dwayne Johnson, Nicole Scherzinger, Auli’i Cravalho
Direção: Dana Ledoux Miller, Jason Hand, David Derrick Jr.
Roteiro: Dana Ledoux Miller, Jared Bush
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Animação, Aventura
Sinopse: Moana viaja para os mares distantes depois de receber uma ligação inesperada de seus ancestrais.
Classificação: Livre
Distribuidor: Walt Disney Pictures
StreamingIndisponível
Nota: 3,0

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