Se, de um lado, a Disney subjulga seu público com Moana 2 (2024), Barry Jenkins demonstra dominar a essência do filme infantil a partir de Mufasa (2024). O convite ao diretor de Moonlight (2016) destaca os benefícios de parcerias com cineastas experientes. Embora não exerça sua autoralidade de forma explícita, imprime sua marca ao mergulhar no drama dos personagens, explorando bem suas dinâmicas emocionais. Entretanto, sofre com uma estrutura narrativa limitada e fica refém de uma técnica hiper-realista, em que as possibilidades são restritas. Assim, Mufasa se mantém na essência e na superfície um filme infantil, focando muito mais na emoção imediata do espectador do que no encadeamento de valores estéticos e narrativos sofisticados.
Mufasa é um leão órfão que se perde dos seus pais até ser encontrado por Taka, herdeiro de uma linhagem real – que mais tarde se tornaria o Scar. Após ser salvo por Taka, Mufasa passa a conviver com a sua alcateia. Contra a vontade de Obasi, rei do bando, o pequeno leão é adotado por Eshe – mãe de Taka. As habilidades de liderança de Mufasa logo o colocam como ameaça para os demais leões, sobretudo para o herdeiro legítimo do trono, Taka. Mas isso não impede que a relação de irmandade entre os dois filhotes se desenvolva, dinâmica que consiste no foco do filme até o final. Ao subverter as origens do personagem, Mufasa goza de relativa liberdade criativa, permitindo uma nova abordagem das dinâmicas familiares do universo de The Lion King.
Assim como The Lion King (1994), Mufasa se mantém o tempo todo na superfície do filme infantil, focando em dinâmicas simples para atrair esse público, mantendo muitas vezes um tom mais leve e previsível – o que não se configura como um problema, já que constitui a essência do filme infantil. As temáticas sobre amizade, coragem e superação retornam no novo filme e, são, inclusive, exploradas literalmente sob as mesmas perspectivas que as obras anteriores, sem grande profundidade ou algum tipo de inovação. Em certos momentos, algumas situações chegam até mesmo a se repetir por inteiro.
A amizade entre os protagonistas se dá após Taka salvar Mufasa dos crocodilos, assim como entre Kovu e Kiara, em The Lion King 2 (1998). Além disso, Kiros, o antagonista, é semelhante à Zira. Tem um filho morto pelo protagonista, busca incessantemente por poder e controle e, ao final, é morto afogado. Essas decisões não parecem necessariamente querer apelar para a familiaridade do espectador adulto, mas funcionam como atalhos para a construção de alguns momentos e personagens. Resguardando, assim, os esforços criativos para momentos-chave, como a transformação de Scar e a chegada de Mufasa ao trono.
Mesmo com essa estrutura que recicla demasiadamente seus elementos, Mufasa consegue tratar das dinâmicas emocionais com uma sensibilidade ainda mais apurada do que o clássico, promovendo uma experiência que é única em si. Barry Jenkins, ao lidar com esses dramas, consegue construir momentos altamente genuínos. Com uma abordagem simples, que apela às emoções mais diretas do espectador, o filme gera envolvimento e conexão com o público, especialmente as crianças. A partir do viés afetivo da infância criou-se a noção-comum de que The Lion King (1994) é uma animação extraordinária. Nesse sentido, não podemos subestimar o impacto que os feitos intrínsecos de Mufasa poderão ter sobre as próximas gerações.
Entretanto, é como musical que Mufasa desaponta, tanto pela composição insuficiente, quanto pelas imposições e limitações da técnica hiper-realista – ainda que tenha passado por melhorias. Embora as novas canções possuam um bom timing e se integrem bem ao drama, elas carecem do glamour das composições de um artista do calibre de Elton John. Inevitavelmente, gera comparações com o filme de 1994. As cenas de música do clássico foram produzidas com a intenção de lançar como um produto cultural à parte na época, exibido em comerciais do filme, ou como videoclipes independentes na televisão – o que estende o seu impacto a diversos outros formatos. Em contraste, Mufasa não tem tanto essa força icônica que transcende o filme em si, limitando sua presença em outras mídias.
Ainda pensando nas canções, a estilização dos cenários acrescentava uma camada de simbolismo às cenas. O exemplo mais marcante é “Be Prepared”, na qual o cenário se transforma em um ambiente sombrio e as hienas marcham em uma alegoria ao nazismo. Isso reforçava o desejo de poder e o maniqueísmo em torno de Scar. Em “I Just Can’t Wait to Be King”, a atmosfera vibrante refletia o otimismo e os desejos de Simba de tornar-se rei. Essas dimensões foram se perdendo desde a versão de 2019, como consequência das imposições e restrições de uma estética hiper-realista. Ao ceder aos desejos do público por realismo, essa perda dilui a expressividade que fez do original um clássico inesquecível.
Em suma, Mufasa é um filme que recicla elementos não somente do clássico, mas de todos os filmes lançados anteriormente. Entretanto, por não depender disso para funcionar, evita criar uma sensação de desgaste ou um ambiente saturado de referências. Dotado de uma força própria, oferece uma experiência única que independe da nostalgia e familiaridade do público adulto. Endereçado às novas gerações, espera-se que, à medida que Mufasa encontre seu próprio espaço, as comparações com o clássico se dissipem. Sem intenção, é claro, de ocupar o seu lugar, posição conquistada por fatores que pouco tem a ver com a sua qualidade intrínseca, mas sim pelo seu poder transmidiático.
Filme: Mufasa: The Lion King Elenco: Mads Mikkelsen, Seth Rogen, Aaron Pierre, Anika Noni, Billy Eichner, Kelvin Harrison Jr., Lennie James Direção: Barry Jenkins Roteiro: Jeff Nathanson Produção: Estados Unidos Ano: 2024 Gênero: Animação, Aventura Sinopse: Mufasa, um filhote órfão, perdido e sozinho, conhece um simpático leão chamado Taka, herdeiro de uma linhagem real. O encontro ao acaso dá início a uma grande jornada de um grupo extraordinário de deslocados em busca de seu destino, além de revelar a ascensão de um dos maiores reis das Terras do Orgulho. Classificação: Livre Distribuidor: Walt Disney Pictures Streaming: Indisponível Nota: 6,0 |