Antes de tudo, acho válido ressaltar que o autor deste texto só havia visto um dos filmes dirigidos por Paul W. S. Anderson, Mortal Kombat (1995). Faço esse esclarecimento porque a fama precede o artista, e não faço parte de um grupo de fãs, nem de rejeitadores de seu trabalho. Conhecido pelas controvérsias na adaptação da franquia de videogame Resident Evil, seus filmes comumente recebem maioria de críticas negativas, o que não o impede de exercer uma autoralidade reconhecida. Agora, em 2025, o diretor lança Nas Terras Perdidas (2025), uma adaptação do conto homônimo de George R. R. Martin e, justamente por ainda estar conhecendo os filmes de Anderson, acredito que meu ponto de vista possa vir acompanhado de uma curiosidade genuína sobre o processo de criação do diretor, pois este é um filme esteticamente bastante desgarrado.
Antes de tratar do estilo em si, analiso a trama sem conhecimento do material original. Em sua estrutura, ela é simples, mas parte de um conceito interessante: uma feiticeira, Gray Alys, que não rejeita nenhum desejo. As implicações dessa ideia instigam desde o início, pois fica claro que os desejos se acumulam, criam uma rede de relações e uma série de ações intrincadas que podem parecer anular-se umas nas outras. É justamente essa consciência de que ela tem todos esses pedidos a realizar, sem jamais explicar como o fará, que perdura ao longo do filme, ainda que não seja central na experiência de boa parte dele, que se dedica a sucessivas cenas de ação. Ou seja, a situação-problema é estabelecida – a feiticeira, com seus desejos a cumprir, parte na companhia de Boyce, um caçador, em busca de um metamorfo –, o assunto cessa, pois eles passam boa parte do filme tentando sobreviver às perseguições da Igreja até que, enfim, o imbróglio dos desejos volta à tona e se resolve. Essa “pausa” pode até ser um recurso que dilata demais a trama em prol da ação, talvez o texto original seja mais sucinto, mas dá lugar para explorar ao máximo esse estilo desgarrado que mencionei.
A ambientação do filme é uma mescla de steampunk, faroeste, fantasia medieval e uma pitada de demonologia. Uma energia bem heavy metal, diga-se de passagem. Até a fotografia parece, em diversos momentos, saída de um clipe de nu metal, como Linkin Park, System of a Down e Slipknot, com pirotecnia, efeitos de flare para todo lado, color grading quente e contraste forte. Inclusive, a cena que abre o filme, que mostra a feiticeira escapando de um enforcamento público parece o palco de um show; afinal de contas, é feito para ser um espetáculo. Parece-me que essa é a intenção de Paul W. S. Anderson, ostentar uma experimentação visual radical a ser admirada, e o faz com uma movimentação de câmera econômica, que dê conta de exibir a intensidade visual de cada plano. Justifica-se, assim, os momentos de CGI pesado, que acontecem desde o início, como o momento em que Boyce incendeia o rosto de um guarda. Existem truques de montagem e de enquadramento que permitem que o CGI de determinadas cenas seja mascarado, mas Anderson não teme essa artificialidade evidente, a expõe até em câmera lenta, pois ele valoriza mais o impacto da composição visual do que o realismo.
Por outro lado, as interpretações de Milla Jovovich e Dave Bautista balanceiam essa opulência sensorial com intenções sérias. Particularmente, Milla Jovovich faz um trabalho muito convincente em apresentar-se como uma pessoa que já viveu muito mais que qualquer humano próximo a ela, uma feiticeira com conhecimento profundo, que fala pouco, mas com sabedoria, às vezes até com um olhar distante de quem tem o futuro à vista. Isso, claro, quando ela não está correndo de um trem em movimento, rasgando inimigos com suas adagas em formato de lua, atirando em todos que aparecem à sua frente e dilacerando demônios com feitiçaria. Nesses combates, pode até faltar uma coreografia mais impressionante, mas, o foco é totalmente direcionado à plasticidade das cenas. Já Dave Bautista funciona como uma presença bruta que contrapõe a feiticeira, um guia que foi moldado pela hostilidade das terras perdidas. A relação entre eles é um bom ponto que preenche a trama com o reconhecimento de um mundo desolado e com o questionamento do que pode ser feito a partir disso.
Nas Terras Perdidas tem uma estilização pesada que aglutina diversos elementos que podem ser considerados clichês de gêneros de ficção, o andarilho, a bruxa, o cavalgar ao pôr do sol, mas que são assimilados de tal forma nessa ambientação que entretém. Isso evidencia o formalismo de Paul W. S. Anderson em sua abordagem cinematográfica, cada plano é carregado em intensidade visual, esse é seu estilo. Pode ser uma experiência exagerada demais para uns, mas tem gente que acha Linkin Park barulhento demais, fazer o quê?
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Filme: In The Lost Lands (Nas Terras Perdidas) Elenco: Milla Jovovich, Dave Bautista Direção: Paul W. S. Anderson Roteiro: Constantin Werner Produção: Estados Unidos Ano: 2025 Gênero: Fantasia, Ação, Aventura Sinopse: Baseada no conto homônimo de George R. R. Martin, na trama uma rainha, desesperada para obter o dom da transmutação, toma uma ousada decisão ao invocar a temida e poderosa feiticeira Gray Alys (Jovovich) para ajudá-la a alcançar seu desejo. Enviada para a selva fantasmagórica das Terras Perdidas, Alys e seu guia, o vagabundo Boyce (Bautista), devem superar homens e demônios em uma fábula que explora a natureza do bem e do mal, dívida e realização, amor e perda. Classificação: 16 anos Distribuidor: Diamond Films Streaming: Indisponível Nota: 7,0 |