CRÍTICA – NO OTHER LAND

CRÍTICA – NO OTHER LAND

Em um dos momentos mais violentos da história recente do conflito de Israel e Palestina, um coletivo israelense-palestinos – formado por Basel Adra, que filmou durante anos a ocupação, o jornalista-ativista judeu de Jesuralém Yuval Abraham, Hamdan Ballal, fazendeiro e cineasta palestino, e a diretora de fotografia israelense Rachael Szor – lança No Other Land como um relato antiguerra que denuncia a ocupação violenta e a resistência não armada dos palestinos em busca de manter suas casas e suas terras. A família do diretor Basel Adra é o foco desta história. Aqui o ativista filma e documenta, desde quando ele é criança, o deslocamento forçado ocasionado pelas forças militares israelenses, que destroem gradualmente a sua terra natal – derrubando casas e escolas para construção de assentamentos. Em meio a sua jornada de ativismo, Adra conhece Yuval Abraham, um judeu israelense que se torna o seu melhor amigo e ajuda-o neste momento difícil.

A amizade entre os dois é utilizada no documentário como um relato de coexistência e empatia poderoso e simples, já que nesta mesma terra Adra e Abraham tiveram vidas completamente distintas. O primeiro cresceu com a violência militar que o tempo todo negou o seu direito de existir em sua própria casa, enquanto o outro, nascido em Jerusalém numa família de classe média, viveu uma infância de privilégios, nunca tendo os direitos violados. Então, entre imagens justapostas da ocupação violenta por colonos e militares e da vida livre de Abraham, No Other Land cria esse sentimento de injustiça perante um sistema criado para oprimir vidas palestinas.

É fato que a infância do palestino é o coração da obra, mas a partir de Abraham se constrói a narrativa em torno de empatia. Em determinado momento, o diretor israelense fala sobre a sua educação, de que se dedicou a aprender árabe e como o processo de aprendizado de uma nova língua o ajudou a abrir os olhos para a cultura e o que acontecia com os palestinos na Cisjordânia. Ao quebrar a primeira barreira cultural – a língua –, Abraham pôde entender e escutar de fato aquelas pessoas e também a enxergá-los não como uma praga ou o inimigo, mas como seu semelhante e hoje luta em prol de um estado democrático em que judeus e palestinos possam coexistir e viver de forma igualitária.

Esta passagem é crucial para No Other Land, tendo em vista que a montagem serve ao propósito de construir uma narrativa imagética de desumanização de povos palestinos. É interessante como ao expandir essa lição de fraternidade universal, o documentário conversa com o tema central de A Chegada, filme de Denis Villeneuve sobre extraterrestres que chegam a Terra e precisam tecer uma conversa com os humanos e o ponto  crucial da história está justamente na comunicação entre os países.

É estranho pensar, então, que a troca universal e união entre povos e países seja uma utopia de ficção científica e que hoje parece que num mundo extremamente globalizado a ideia de coexistência seja absurda, que colocam alcunhas como polêmico e antissemita para um documentário como No Other Land. Soa mais estranho que esta obra que se propõe em mostrar a verdade e o outro lado da moeda sem rodeios, de forma dolorosa e sem sensacionalismo não encontre distribuidores nos Estados Unidos – sendo que é o favorito na categoria de Melhor Documentário. É como se existisse um boicote ou uma recusa em enxergar o cinema palestino, usado há anos por diretores como ferramenta de resistência e denúncia. Isto posto, a quem interessa o estigma da luta palestina ser baseada em Hamas e terrorismo? Sendo assim, os realizadores entendem muito bem a importância de seu filme e da câmara enquanto arma e fazem o melhor com o material e cenários que tem em mãos – construindo uma obra que une jornalismo com arte.

Ao enfrentar dificuldades de distribuição até mesmo em sua própria terra, No Other Land prova, infelizmente, o seu ponto sobre desumanização e apagamento que este povo sofre – das ocupações e assentamentos violentos que evitam que eles formem um estado a negação do direito de contarem suas próprias histórias – como já mostrado em 5 Broken Cameras

É verdade que o documentário tenta trazer de alguma forma um olhar otimista sobre a luta a partir da amizade entre Adra e Abraham, mas é difícil acreditar que pelas outras imagens mostradas e da decisão de despejo do Tribunal Superior Israelense apresentada no início do filme (já que nem direito a um tribunal misto eles possuem) esse conflito terá qualquer desfecho que não seja o mais violento possível – como é bem fomentado pela extrema direita e extremistas que lucram com isso. Adra até mesmo questiona os objetivos de sua própria luta em uma frase poderosa: “(…) é resistir e correr o risco de morrer por colonos armados e ter constantemente seus direitos violados ou sair e perder a sua casa para as ocupações e assentamentos criados para desalojar a população palestina. No fim, é uma decisão sobre se salvar ou abrir mão de ser palestino – de suas raízes – fato que Masafer Yatta não irá fazer. Não há outra terra.


Filme: No Other Land
Elenco: Basel Adra, Yuval Abraham, Farisa Abu Aram, Nasser Adra, Harun Abu Aram, Kifah Adara
Direção: Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
Roteiro: Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
Produção: Palestina
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Sinopse: O documentário produzido por um coletivo palestino-israelense mostra a destruição de Masafer Yatta por soldados israelenses na Cisjordânia ocupada e a aliança que se desenvolve entre o ativista palestino Basel e o jornalista israelense Yuval.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Sem distribuição
Streaming: Indisponível
Nota: 10

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *