CRÍTICA – O CAMINHO DO PODER

CRÍTICA – O CAMINHO DO PODER

Há tempos não assistia um filme do gênero, mas, de peito aberto, fui para a experiência, afinal não é todo dia que assistimos um filme da Indonésia. O Caminho do Poder se trata de um filme baseado em fatos, contando-nos a história de Ahok e a sua luta contra a corrupção sistêmica na política do país, além de originário de uma minoria de etnia chinesa.

Antes de partir direto para o filme em si, algumas considerações devem ser feitas sobre esse detalhe específico do filme que envolve a realidade da Indonésia e sua política. É um contexto demasiadamente específico, que o próprio filme falha em nos repassar detalhadamente, dado ao seu compromisso de um filme meta-ficcional, de contar-nos a história de Ahok através dessa romantização (sem o lado pejorativo da palavra) da vida desse político que causa grande impacto na realidade política e social da Indonésia. Não conheço a fundo o cenário político de lá, ainda mais se tratando de uma narrativa em diferentes períodos históricos, focando-se no vilarejo de nascença do nosso protagonista, sem expandir os comentários para uma realidade macro-política de questões nacionais. Acaba sendo muito superficial o que anseia por dizer, pouco ousado e recatado. Parece contido em enfrentar o que nosso protagonista deve ter enfrentado na vida real – ressalto meu pouco conhecimento sobre a história política, econômica e social do país em questão.

Dito isso, seguimos para o filme em si.

É surpreendente sair da zona de conforto, para assim que é estabelecido o fio narrativo, você sentir uma familiaridade irônica no coração. A sensação é que já foi visto isso, muitas e muitas vezes. Há de se questionar, quantos filmes são feitos exaltando os acontecimentos ocorridos e influências das atitudes de uma pessoa só? Eis aquele filme padrão: um homem, criado por alguém com valores puros e recheado de empatia, lutando pelos trabalhadores, repassa, mesmo que indiretamente ao filho seus anseios por um mundo melhor, liderado por aqueles que ensinou. Vá pela educação, lute pelo futuro, lidere aqueles para que a realidade seja um pouco menos agressiva e desigual. O mérito aqui é não exagerar, não apelar em seu discurso, mantendo os pés no chão, mesclando realidade (com cenas do nosso mundo) com a ficcional (cenas do filme dos personagens reagindo a exposições de notícias na televisão). Caminha bem longe do famoso “American Dream”, mas ainda é um discurso pautado nas mudanças internas, nada revolucionárias, denotando que o sistema pode ser alterado por dentro, desde que haja alguém com força suficiente para lutar contra as opressões e desigualdades.

Por se tratar de uma outra realidade, distante de nós em todos os sentidos, pela cultura da Indonésia não ser divulgada ou exposta todos os dias como as grandes indústrias culturais de outras localidades do mundo, há um encantamento pelos visuais e retratos sociais. Há sempre um fundo interessante, de perceber as construções, as influências colonizadoras naquela paisagem e manifestações sociais das personagens, até pela maneira que o filme explora seu cenário. Mas, nada que esteja longe da nossa vida brasileira, com nossos protagonistas árduos e conquistadores, aptos a retorcer a meritocracia e promover mudanças reais!  Para nós, distanciados daquele mundo, existem paralelos claros com um retoque de Brasil, porém menos ousado. Talvez, porque, tudo que envolve nosso mundo, há de se expandir e romantizar a violência e pobreza. Aqui, é sublime, colocado em poucos comentários soltos e pela ambientação que deixa claro o quanto aquela realidade narrativa está sucumbida nos interesses das classes dominantes que detém também o centro do poder político. Fica clara a realidade rural, com o pouco de tecnologia existente, tudo meio opaco, cinzento, o filme sabe explorar inclusive o uso das cores, não exaltando ou alterando drasticamente. É seco, dentro do propósito, extremamente assertivas as escolhas fotográficas.

A expectativa que construí ao longo da narrativa, acabou sendo frustrada, e qual foi ela? De que nós espectadores, acompanharíamos a jornada política do protagonista, no entanto, essa trajetória fica somente para os vinte minutos finais. A narrativa opta por um foco eterno na relação pai e filho, e nas problemáticas na sua infância com as dificuldades, que só ficam também em texto. Mesmo com o pai do protagonista sendo famoso por suas dívidas, não separam momentos que exponham essas dificuldades, inclusive com o protagonista completando sua universidade e posteriormente o mestrado, onde ficou o espaço para visualizarmos? Erro crucial de muitas narrativas, que somente falam, mas estamos vendo um filme! Mostre em vez de falar! Outro problema é o discurso do pai, sempre pregando a união e o apoio entre os irmãos, no núcleo familiar, mas esse suporte nunca é mostrado também! Vemos os personagens dizendo que irão apoiar o protagonista em seu caminho, mas, quando e onde? Outra falha crítica. Antes de partir para a conclusão, vale ressaltar o ponto inicial da crítica: se trata de um contexto específico, que para quem foi ver o filme sem ter muito conhecimento dessa figura pública e sua carreira, acabou-se mais se perdendo na narrativa do que ganhando.

No fim, gerou essa desconexão, que acabou incluindo uma dificuldade de foco extrema nas partes conclusivas do filme, por essa falta de conexão com o que está nos sendo contado. O Caminho do Poder, no fim, poderia chamar A Parada do Poder, porque não vemos nada das intrigas e dificuldades políticas que o protagonista provavelmente enfrentou em sua carreira pública. A tradução gera uma informação perdida, que tem muito mais nexo em seu título em inglês “A Man Called Ahok” em uma tradução literal “Um Homem Chamado Ahok”, faz muito mais sentido com o que nos é proposto.

No fim, O Caminho do Poder, se torna uma experiência mediana, porém longe do medíocre, afinal, não são todos os dias que existem oportunidades para ver um filme de uma cultura tão distante da nossa…

O que resta a dizer é… Despertou uma vontade de revisitar outros clássicos da Ásia… E a próxima viagem iremos parar na Tailândia revisitando um clássico do terror…


Filme: A Man Called Ahok (O Caminho do Poder)
Elenco: Daniel Mananta, Kin Wah Chew, Eric Febrian, Denny Sumargo, Sita Nursanti, Eriska Rein, Jill Gladys, Donny Damara
Direção: Putrama Tuta
Roteiro: Danny Jaka Sembada, Ilya Sigma, Putrama Tuta
Produção: Indonésia
Ano: 2018
Gênero: Biografia, Drama
Sinopse: Baseado na história real de Ahok, ex-governador de Jacarta, capital da Indonésia, desde sua infância com sua família em uma vila rural até sua posse como um dos principais políticos do país. Antes de concorrer ao cargo, ele aprendeu muito sobre disciplina com seu pai, que dirigia uma empresa de mineração e era obrigado a lidar com a corrupção nos negócios. Após a falência da empresa e uma tragédia familiar, Ahok lembra da mensagem de seu pai para enfrentar as adversidades e finalmente se tornar um líder político.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: IDES Distribution
Streaming: Looke
Nota: 6,5

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