CRÍTICA – O CRIME É MEU

CRÍTICA – O CRIME É MEU

Assisti ao extraordinário “O Crime é Meu”, de François Ozon, no Reserva Cultural, um dos raros cinemas de rua de São Paulo, que fez 18 anos agora em junho. Foi, portanto, uma exibição um tanto diferente dentro do contexto de celebração do aniversário. E que pode ser entendida também como um gesto de resistência, pois qual empreendimento dessa natureza, exibindo preciosidades como a do Ozon, dura tanto tempo?

Toda essa atmosfera contribuiu, sem dúvida, para tornar “O Crime é Meu” uma experiência única, diria. Muito semelhante àquela que vivi na já longínqua década de 80 quando assisti “Superman” com meu pai. O primeiro filme que vi no cinema (de rua também). Havia uma sensação de deslumbramento no ar. “Superman” se tornou um clássico. Tenho certeza de que “O Crime é Meu” também se tornará.

Confesso que conheço pouco da filmografia de Ozon. Anos atrás assisti “Potiche – Esposa Troféu”. Em ambas as comédias, Ozon consegue abordar assuntos sérios de forma leve e criativa. Em “Potiche” há uma greve de trabalhadores da fábrica de guarda-chuvas. A reivindicação justa deles é tratada com virulência pelo patrão, que insiste em não abrir mão de nada. Fosse um drama haveria violência e morte. Em “O Crime é Meu” a luta das mulheres por respeito e igualdade de direitos também é tratada de maneira leve e ainda mais criativa. E põe criativa nisso. O filme é pura invenção!

Madeleine (Nadia Tereszkiewicz) é uma jovem atriz pobre acusada injustamente de assassinar um famoso produtor de espetáculos que tentou agredi-la sexualmente. Com a ajuda da amiga advogada, pobre também, elas bolam um plano e Madeleine acaba assumindo a culpa pelo assassinato. Isso dá projeção a ela, que transforma o julgamento numa cena de uma peça de teatro. A vida das duas jovens muda radicalmente por conta disso. Um tempo depois surge Odette (Isabelle Huppert), uma atriz veterana da época do cinema mudo que reivindica o crime para si. Outra reviravolta, portanto.

Billy Wilder é uma referência para François Ozon. Não é por acaso que Madeleine e Pauline (Rebecca Marder) entram numa sessão de “Bad Seed”, único filme francês de Wilder, que era austríaco, mas naturalizado norte-americano. Ambos cineastas dominam de modo excepcional a suas respectivas mise-en-scènes, o fazem de modo preciso e muito bem elaborado. Ator-câmera-cenário num jogo dinâmico dentro de uma temporalidade muito específica e difícil de dominar que é a da comédia. E não é qualquer comédia. A que Wilder praticava e a que Ozon pratica é a mais refinada e sutil delas.

O filme tem todos os ingredientes para se tornar um clássico do gênero: performance excelente de todos os atores, mesmo aqueles com participação pequena; roteiro impecável, bem amarrado, divertido, com diálogos cáusticos e inteligentes; fotografia, direção de arte e figurino a altura do desafio de tornar crível a atmosfera de um filme de época; e, finalmente, montagem com timing correto — não existe comédia boa sem que haja exatidão nos cortes e ritmo azeitado. Simples assim.

O filme tem distribuição da Imovision, empresa distribuidora que realmente vem valorizando o cinema autoral.


Filme: Mon Crime (O Crime é Meu)
Elenco: Nadia Tereszkiewicz, Rebecca Marder, Isabelle Huppert, Fabrice Luchini, Dany Boon, André Dussollier, Régis Laspalès, Félix Lefebvre
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Produção: França
Ano: 2023
Gênero: Comédia
Sinopse: Paris, 1930. Madeleine, uma atriz jovem, pobre e sem talento é acusada de assassinar um famoso produtor. Sua melhor amiga, Pauline, uma advogada desempregada, a defende e ela é absolvida por legítima defesa. Uma nova vida de fama e sucesso começa, até que a verdade por trás do crime é finalmente revelada.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Imovision
Streaming: Indisponível
Nota: 9,5

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