CRÍTICA – O HOMEM DOS SONHOS

CRÍTICA – O HOMEM DOS SONHOS

Minha primeira experiência com a obra do cineasta norueguês Kristoffer Borgli foi através de um pseudo documentário intitulado “Energético” (Dribb). Embora talvez não se destaque como uma obra-prima, é evidente desde o início que Borgli possui uma audácia que o coloca como um cineasta, no mínimo, intrigante. Em “Energético”, ele desafia convenções estabelecidas e concebe situações extremamente peculiares. O HOMEM DOS SONHOS

E não é muito diferente em “Dream Scenario”. O filme começa com uma situação bastante peculiar: uma garota chamada Sophie e seu pai, Paul, estão sentados no quintal quando objetos começam a cair, desde uma chave até um sofá. De repente, Sophie começa a flutuar e pedir socorro ao pai, que apenas a observa, totalmente indiferente. Estamos diante de um sonho. Na verdade, Sophie está contando o sonho ao pai, que logo fica preocupado, tentando entender por que ficou tão indiferente no sonho de sua filha, já que ele, na vida real, não teria agido com tamanha frieza.

Essa cena e as seguintes direcionam o filme para uma diegese que cativa o espectador. À medida que a trama se desenvolve em seu primeiro ato, esse fascínio tende a aumentar, pois o esquisitismo da narrativa se torna ainda mais intrigante. Paul, um professor com doutorado, leva uma vida regular com suas duas filhas e sua esposa, aparentemente tranquila e sem buscar os holofotes. Tudo muda quando Paul começa a aparecer não apenas nos sonhos de sua filha, mas nos de centenas e até milhares de pessoas, a maioria das quais ele nunca viu antes. Isso o transforma em uma celebridade na internet. Paul aproveita a situação, concedendo entrevistas em programas de entretenimento e encarando essa fama com humor, embora permaneça reservado. Nos sonhos, Paul aparece sem reagir, como no sonho de sua filha. O filme não tenta explicar o fenômeno em si, mas foca em mostrar como Paul lida com essa fama repentina.

A partir dessa premissa, “O Homem dos Sonhos” proporcionando, em seus primeiros 30 minutos, um cenário perfeito para a criação de diversas metáforas por meio dos simbolismos que essa esta oferece. Além disso, é perceptível desde o início como Borgli utiliza a montagem de forma criativa, seja com cortes abruptos entre cenas, seja com montagem paralela, onde vemos Paul conversando com uma mulher que roubou sua ideia e não deu os devidos créditos, ao mesmo tempo em que o vemos ouvindo essas gravações dentro do carro. Esses elementos ambientam o espectador para a história de forma eficaz, sustentados pela premissa intrigante estabelecida pelo filme.

Infelizmente, “O Homem dos Sonhos” é um filme de primeiro ato. Se durante esse período somos envolvidos pela peculiaridade da história, pelas inovações da câmera e até pela sólida atuação de Nicolas Cage, o segundo e terceiro atos transformam a obra em um completo desastre. Primeiramente, o potencial metafórico é totalmente desperdiçado por insights óbvios e repetições redundantes ao longo do filme. Borgli, que também assina o roteiro, utiliza a premissa para expor como a cultura do cancelamento afeta as pessoas, mostrando como alguém pode ser rapidamente alçado à fama e, ao mesmo tempo, ser alvo de ódio e cancelamento pelos mesmos admiradores. O problema reside na forma óbvia e redundante como isso é apresentado. Quando Paul se torna famoso, sua sala de aula fica cheia; quando é cancelado, os alunos desaparecem. Da mesma forma, eventos como convites para jantares exclusivos se repetem, agora com Paul enfrentando o cancelamento. Borgli retrata tanto a fama quanto o cancelamento de maneira idêntica, através dos sonhos das pessoas.

Outro ponto em que a metáfora se torna excessivamente evidente e enfraquece o filme é na criação dos simbolismos. Paul ganha fama por aparecer nos sonhos dos outros, permanecendo inerte. No entanto, sua grande ambição é publicar um livro científico, algo tido como culto e inteligente. Quando uma agência o contrata para fazer publicidades fúteis visando lucro, ele se recusa, afirmando que deseja ser lembrado por algo mais substancial do que apenas por aparecer nos sonhos dos outros. A partir dessa recusa, os sonhos das pessoas com Paul se transformam em pesadelos, retratando-o como uma figura agressiva e violenta. Como se o fato de Paul se recusar a fazer parte dessas superficialidades fosse algo que não cabe no mundo das redes sociais.

Por causa desses pesadelos, as pessoas se afastam, e ele é cancelado, mudando drasticamente sua vida. Inicialmente vários alunos compartilham sonhos com Paul e essa repetição estabelece uma dinâmica interessante e promissora. No entanto, quando ele é cancelado, o diretor opta por demonstrar essa mudança de perspectiva de forma tão literal que acaba enfraquecendo a trama. Ao mostrar as mesmas pessoas que antes compartilhavam sonhos com Paul agora tendo pesadelos, o filme perde a oportunidade de explorar de maneira mais sutil e impactante os efeitos do cancelamento sobre a vida do protagonista e de seu entorno. O mesmo acontece na representação da solidão de Paul, em que Borgli não se contenta em mostrar apenas o personagem tocando piano sozinho, mas também o retrata em outras situações solitárias, como caminhando na esteira sozinho, varrendo a calçada sozinho e sendo rejeitado ao telefone.

A obviedade dessa cena ilustra muito do que o filme representa durante quase todo o segundo e terceiro ato: uma sucessão de clichês que até mesmo a inventividade da montagem não consegue redimir. O filme tenta adornar sua trama com uma pretensa inteligência, especialmente ao introduzir uma distopia no final, onde a publicidade invade os sonhos por meio de uma ferramenta chamada Norio, um dispositivo que permite viajar nos sonhos. As pessoas que fazem publicidade nesse dispositivo são agora conhecidas como sonhofluencers, substituindo os influencers digitais e, consequentemente, as próprias redes sociais. Borgli parece tão encantado com sua própria ideia que dedica boa parte do terceiro ato para expandi-la, mostrando propagandas do Norio, apresentando os sonhofluencers explicando como utilizam a ferramenta e até mesmo mostrando o CEO da empresa tentando conectar a experiência de Paul à criação da ferramenta, numa tentativa forçada de vincular essa subtrama à narrativa principal.

Essa abordagem transforma “O Homem dos Sonhos” em uma experiência frustrante. Enquanto a premissa inicial promete algo envolvente, o desenvolvimento subsequente do filme se revela absurdamente patético. O pior é que o filme envolve o espectador nessa teia de clichês e bobagens, deixando-o cada vez mais desapontado conforme a trama se desenrola.

Agora, o verdadeiro medo não é sonhar com Paul, mas sim com “O Homem dos Sonhos” – uma obra que, assim como seu protagonista, oscila entre momentos de crescimento e quedas vertiginosas, deixando uma sensação de total desencanto ao seu final.


Filme: Dream Scenario (O Homem dos Sonhos)
Elenco: Nicolas Cage, Julianne Nicholson, Lily Bird, Jessica Clement, Michael Cera, Dylan Gelula, Tim Meadows, Kate Berlant, Dylan Baker, Jennifer Wigmore, Nicholas Braun, David Klein
Direção: Kristoffer Borgli
Roteiro: Kristoffer Borgli
Produção: EUA.
Ano: 2024.
Gênero: Comédia, Fantasia
Sinopse: O desafortunado chefe de família Paul Matthews tem sua vida virada de cabeça para baixo quando milhões de estranhos de repente começam a vê-lo em seus sonhos. Mas quando suas aparições noturnas tomam um rumo aterrorizante, Paul é obrigado a navegar pela sua recém-descoberta fama.
Classificação: 14 anos.
Distribuidor: California Filmes
Streaming: Indisponível.
Nota: 3,0

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