CRÍTICA – O VINGADOR INVISÍVEL

CRÍTICA – O VINGADOR INVISÍVEL

Em O Vingador Invisível (1945), dirigido por René Clair, dez estranhos são misteriosamente convidados para uma ilha isolada, onde descobrem que foram reunidos para serem punidos por crimes passados que cada um cometeu. Adaptado do romance de Agatha Christie, E Não Sobrou Nenhum (1939), os convidados começam a ser assassinados um por um, seguindo uma sombria canção infantil. Então, eles se envolvem em um jogo mortal de desconfiança e paranoia, tentando descobrir quem entre eles é o assassino antes que todos sejam eliminados.

A atmosfera de O Vingador Invisível

Desde o início, há uma tensão palpável em O Vingador Invisível. O filme tem início com o grupo em um barco navegando em direção à ilha. Os olhares dos personagens pulando de rosto em rosto, sem proferir uma palavra, enquanto que o olhar do espectador delicadamente acompanha essa dinâmica. Dez desconhecidos, em um barco que não os pertence, indo até um lugar do qual não sabem como é. Olhos que atravessam uns aos outros em um misto de curiosidade e medo. O silêncio impera, e o barco percorre as águas da desconfiança em rumo ao obscuro.

Posteriormente, quando chegam ao destino, o clima se torna ainda mais denso. Agora, o que antes era uma aura de desconfiança pelo desconhecido, se transforma na certeza da iminência da morte. O ranger das portas se revela como a risada macabra do cavaleiro da morte, e a brisa fria do oceano se mostra como o corte de sua foice. Os planos fechados e claustrofóbicos de René Clair, reforçam o confinamento do grupo tanto quanto a inevitabilidade do destino. Analogamente, a forma como trabalha a luz e a escuridão acentua ainda mais esse clima. Com sombras profundas e iluminação estratégica que sugerem mais do que mostram, mantém-se o suspense constante. Por consequência, mesmo quando não há perigo aparente na tela, a tensão é tão tangível que o espectador permanece em estado de alerta.

Código Hays

O Código Hays, oficialmente conhecido como Motion Picture Production Code, foi um conjunto de diretrizes de censura adotadas pela indústria cinematográfica dos Estados Unidos de 1930 a 1968. Ele impunha regras rígidas sobre o conteúdo dos filmes, proibindo alguns temas e liberando outros mediante restrições. Um dos temas “liberados” sob restrições era: “Técnicas de assassinato por qualquer método”. 

Dessa maneira, faz sentido que um filme com tantas mortes quanto O Vingador Invisível não exiba nenhuma delas em cena. Entretanto, René se apropria bem dessa limitação para acrescentar positivamente a sua obra. Ou seja, o fato das mortes se darem fora da tela, sem o espectador ver, permite não só manter um maior mistério sobre o assassino, mas também dar asas à imaginação. Em outras palavras, nossa mente é sempre mais devastadora que a realidade. Imaginamos atrocidades absurdas sobre aqueles acontecimentos que não podemos ver. Por fim, acaba sendo uma demonstração sutil da habilidade de Clair em trabalhar com as limitações impostas e ainda assim criar uma experiência de suspense eficaz.

Humor e tragédia

Uma vez que O Vingador Invisível tem essa atmosfera de tragédia iminente, é intrigante a maneira como consegue equilibrar isso com um certo humor. Assim sendo, é um filme que tem uma leveza quase estranha, bem paradoxal, em meio aos eventos trágicos que se desenrolam. Isto é, por mais fúnebre que toda a situação (e a forma como o filme a apresenta) seja, mesclam-na com uma comicidade mórbida que, por mais estranho que possa parecer, funciona bem. Essa combinação peculiar oferece toques cômicos que contrastam e, de certo modo, intensificam a seriedade das situações.

Ritmo acelerado

No entanto, por mais que o filme seja competente em criar um ambiente tenso, essa característica acaba sendo um pouco minada pela velocidade da trama. Os personagens vão morrendo, um atrás do outro, como peças de um dominó caindo em sequência. Mesmo que faça sentido com a proposta — as mãos geladas da morte batendo na porta de cada um —, o ritmo acelerado com que isso ocorre impede uma aproximação maior do espectador com aqueles personagens.

Ou seja, não nos afeiçoamos a nenhum. Na realidade, mal os conhecemos (terminei o filme sem nem lembrar do nome de um tanto); mas sabemos que irão morrer. Por consequência, a ansiedade agonizante de saber o destino deles acaba perdendo um pouco da força; não importa realmente quem é o próximo a morrer, importa? Afinal, você nem liga muito pra ninguém ali.  

Embora essa rápida sucessão de eventos tire um pouco do impacto dos acontecimentos, O Vingador Invisível ainda é um filme interessante. Consegue trabalhar os elementos de sua linguagem em prol de uma construção atmosférica bem densa, o que por si só já é um baita mérito. Além de ser intrigante ver uma das primeiras grandes adaptações de Agatha Christie às telonas; sobretudo uma que teve seu realizamento em uma época tão censurada do cinema hollywoodiano.


Pôster do filme O Vingador Invisível Filme: And Then There Were None (O Vingador Invisível)
Elenco: Barry Fitzgerald, Walter Huston, Louis Hayward, Roland Young, June Deprez, Mischa Auer
Direção: René Clair
Roteiro: Dudley Nichols
Produção: Estados Unidos
Ano: 1945
Gênero: Crime, Suspense
Sinopse: Após perder seus pais em um incêndio, Alice se muda para a casa de sua vó, onde começa a ter pesadelos constantes.
Classificação: 14 anos

Streaming: Looke
Nota: 7,0

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