Recentemente, o arquipélago de Fernando de Noronha (PE) ficou espantado com um crime bizarro. Numa festa privada no Forte dos Remédios, um casal de turistas teve uma discussão e, momentos depois, não próximos, o marido avistou sua esposa conversando com um homem. Prontamente, seu cônjuge, que é delegado, disparou tiros de arma de fogo no cidadão, sem que ao menos houvesse tempo de alguma traição ou blefe ocorrer. Na verdade, a vítima, que é um vendedor ambulante, não havia feito basicamente nada. Oeste Outra Vez
Longe das praias paradisíacas, e sim no interior goiano, Oeste Outra Vez é um filme que se desenvolve exatamente a partir disso: da insegurança dos homens, e o quão longe eles podem ir por conta de mulher, virando-se sanguinariamente uns contra os outros. Uma condição bem primitiva, vale ressaltar.
O longa de Erico Rassi é, no geral, bem primitivo no que se refere à motivações – vale apontar. Não que, como em certo depoimento que antecede a cena final, não possa haver uma dor convincente entre um dos caipiras com coração rachado. O filme translucida essa dor constante, e põe a imagem feminina como algo passível de dor e de coração rachado.
A enorme falta de tempero que se instaura no ar durante o desenvolvimento, me é bem sintetizada pela justa ausência feminina real; prática – colocando a mulher como uma ideia. Até aí tudo bem, mas o roteiro de Rassi parece anular completamente a visibilidade feminina, levando os conflitos dos personagens de Ângelo Antônio e Babú Santana à uma irracionalidade quase idiota e difícil de comprar.
Incomoda também o processo de vitimização que “justifica” as tamanhas atrocidades realizadas pelos mal desenvolvidos caboclos que protagonizam a película. Não que, na vida real, e sobretudo no atual interior brasileiro ainda muito machista e bélico (as coisas se resolvem na bala), isso não aconteça. Aliás, o registro captado por Rassi, junto da fotografia austera e charmosa de primeira classe do fotógrafo André Carvalheira, acresce relevância ao projeto, que é digno em matricular um retrato cirúrgico de um Brasil muito atual e ainda muito hostil.
Contudo, o engajamento na trama exige uma instintividade o tanto quanto acrítica ao senso de motivação, continuidade e lógica narrativa. E mais uma vez: não que isso não seja possível, ou que não possa ser a intenção do diretor – até acredito que assim se configure. O que pesa, sobretudo, é a lentidão que as coisas levam para tomar rumo, o que dificulta mais a experiência.
O filme parece nem mesmo se decidir quanto a qual cena de abertura iniciar realmente – tornando exigente certa dedicação para se imergir. É relativamente custoso fisgar atenção à essa história, mesmo com cenas pontuais eletrizantes, mas que parecem habitar um conjunto enfadigado, no qual raramente se sente o peso do banal conflito em questão. Afinal, a idiotice masculina cansa, e Oeste Outra Vez parece amá-la.
A já citada ausência feminina corrobora com seu processo de objetificação, que é perceptível pelos personagens, mas surpreendentemente, sem parecer haver qualquer contraposição por trás das câmeras. Essa negligência, ao meu ver, é indiferente ao machismo captado. Não localizo, honestamente, teor crítico. Pelo contrário, a elegantíssima decupagem, composta pela mise-en-scene sofisticada de Rassi, parece penetrar no vitimismo violento masculino, pondo-o como palco de um drama pouco singular, ainda que excepcionalmente bem incorporado pelo seu elenco.
Infelizmente, Babu é subaproveitado. Apenas sua presença física é levada em conta, carecendo bastante de personalidade e de nuances, como seu especial humor dramático, que cairia bem num longa que já é bastante sem graça. Os surpreendentes destaques vão para Ângelo Antônio e Antônio Pitanga. Homens diferentes, um com uma sofrência mais fria e penitente, e outro mais e franco e lúdico.
Nenhuma personagem feminina é desenvolvida ou possui diálogos.
No fim, Oeste Outra Vez se apropria de um fenômeno misógino intangível quanto ao interior brasileiro, mas não faz nenhum comentário em cima disso. Pelo contrário, bebe de sua fonte para proporcionar uma experiência seca e cansativa, com ritmo que não engata nem a primeira marcha, misturando-se como outras obras do monótono neorealismo contemporâneo brasileiro que vão na contra-mão de uma progressão empolgante. Pra piorar, acaba como uma repostagem amarga e maçante da objetificação feminina.
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Filme: Oeste Outra Vez Elenco: Ângelo Antônio, Antônio Pitanga, Babu Santana, Adanilo, Daniel Porpino, Rodger Rogério, Tuanny Araujo Direção: Erico Rassi Roteiro: Erico Rassi Produção: Brasil Ano: 2025 Gênero: Drama, Western Sinopse: No sertão de Goiás, homens brutos que não conseguem lidar com suas fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros. Classificação: 14 anos Distribuidor: O2 Play Streaming: Indisponível Nota: 5,0 |