A suspensão da descrença é importante para fruirmos os filmes não realistas. É uma espécie de pacto não declarado que firmamos com a obra cinematográfica no qual aceitamos de bom grado qualquer extrapolação da imaginação. Num filme de fantasia, por exemplo, é o que mais desejamos. O mesmo vale para ficção científica, terror etc. Em nome do bom entretenimento, a liberdade total da imaginação é sempre bem-vinda. Damos, assim, uma banana para as normas e para os limites que regem nossa vida no dia a dia, normalmente pouco fantasioso.
E quando o filme é realista e tem, digamos, uma pitada de fantasia, como é o caso de “Os Cinco Diabos”? A boa vontade, então, precisa ser ainda maior; principalmente se você não leu a sinopse dele antes de entrar na sessão.
Pode-se dizer que o longa-metragem de Léa Mysius tem uma trama bastante simples: Julia, irmã de Jimmy, chega numa pequena cidade dos Alpes franceses. Logo conhece Joanne. As duas começam a se relacionar, mas um incidente muda tudo. Julia é praticamente expulsa da cidade. Anos depois, ela retorna e encontra Joanne casada com Jimmy, que são os pais de Vicky, a protagonista do filme, uma criança que possui um olfato extraordinário, melhor que o de qualquer cachorro. E é aqui que as coisas ficam um pouco estranhas.
Para gostar de “Os Cinco Diabos” é preciso, portanto, suspender a descrença — e suspender muito — num suposto superpoder do olfato, e o que uma menina pode fazer com ele quando aprisiona cheiros dentro de frascos de vidro. No caso de Vicky, essa feitiçaria/travessura tem o poder de fazer com que ela viaje no tempo, até a juventude de seus pais. Praticamente uma mistura de cinema LGBT com filme da Disney.
Fora esse detalhe curioso de um roteiro difícil de julgar, inusitado na forma de abordar uma relação amorosa frustrada por um evento misterioso, as atuações, entretanto, são seguramente boas, com destaque para pequena Sally Dramé, que faz a filha, e Adèle Exarchopoulos, que interpreta a jovem mãe. Para mim, as atuações são o que “Os Cincos Diabos” entrega de melhor. Aliás, Adèle (“Azul É a Cor Mais Quente“) empresta seu talento, charme e beleza física estonteante para personagem Joanne, capturada de forma magistral pela câmera de Mysius.
O filme é embalado por belas canções cuja leveza contrasta com os temas do racismo e da homofobia, tratados de modo secundário, mas que aparecem principalmente na figura do pai de Joanne e, depois, no bullying exercido pelas crianças da escola onde Vicky estuda.
Há um pequeno enigma para ser resolvido bem no finalzinho do longa-metragem. Acho que encontrei a resposta depois de um tempo pensando, mas infelizmente não posso revelar. Seria chato dar spoiler.
Filme: Les Cinq Diables (Os Cinco Diabos) |