CRÍTICA – PARA SEMPRE UMA MULHER

CRÍTICA – PARA SEMPRE UMA MULHER

A primeira diretora que se tem registro no Japão é Tazuko Sakane. Seu primeiro filme, e consequentemente o primeiro filme dirigido por uma mulher no país, data do ano de 1936. Alguns anos após essa estreia importante, em 1953, Kinuyo Tanaka lança seu primeiro filme, Carta de Amor. Tanaka é listada como a segunda diretora da história do país, seguindo os passos de Sakane. Para Sempre uma Mulher, de 1955, é o seu terceiro filme, inspirado na vida da poeta Fumiko Nakajo. O filme está disponível na Filmicca para streaming.

Em Para Sempre uma Mulher acompanhamos a vida de Fumiko, uma mãe, esposa e poeta que se sente frustrada em sua vida conjugal, marcada pela traição de seu marido que não parece feliz com a escolha da esposa de escrever poesia. O filme aborda diversos temas de certa forma controversos, seja pela época em que foi feito, seja pela direção feminina que era ainda uma novidade no Japão. Além de abordar a infidelidade dentro do casamento, a obra explora assuntos como divórcio e doença, mais precisamente o câncer, em uma narrativa carregada de drama e infortúnios na vida da jovem poeta.

É claro que uma das características mais importantes desta obra é o fato de ter sido produzida por uma mulher. Mais do que isso, o filme de Tanaka se concentra em uma história cara às mulheres, uma vez que aborda a realidade de muitas delas à época – realidade esta que em muitas casas ainda vigora atualmente. É bastante ousada a empreitada da diretora, que dramatiza o roteiro de outra mulher, Sumie Tanaka, em uma história que para uma boa parte do público – o masculino – não diria nada.

Kinuyo Tanaka, que também era atriz, estrelou filmes de grandes mestres do seu período como Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa, porém, Para Sempre uma Mulher carrega, em algumas passagens de seu enredo, a sutileza sensível presente nas produções de Yasujirô Ozu, outro grande mestre do cinema japonês. A narrativa, que não se desprende da realidade, cria um cenário simples da vida de uma mulher japonesa de classe média nos anos cinquenta. A pequena diferença entre Fumiko e a maioria das outras mulheres como ela estava no fato de que ela escrevia, dando vida assim às questões comuns a uma grande parte delas.

Seus poemas, no estilo tanka (gênero de poema curto anterior ao amplamente conhecido haiku), ilustravam a infelicidade do casamento, o cansaço e amor infinito da maternidade e o vazio existencial que não há uma causa certa, mas que aflige da mesma forma. Após o divórcio – tema ligeiramente espinhoso na Ásia tanto no passado quanto hoje – o infortúnio de Fumiko prevalece em uma avalanche que se dá a partir do diagnóstico de câncer de mama, outro tema pouco tratado nos filmes da época. Em um tratamento quase que experimental, Fumiko perde os dois seios, momento que é o ápice do drama em sua história, que tem como título original Os Seios Eternos.

A perda de um grande símbolo de feminilidade para a protagonista desencadeia a depressão que já se mostrava em curso no decorrer da narrativa. O ambiente hospitalar, que se torna praticamente o único cenário do filme, traz à história de Fumiko a carga sombria da morte anunciada. Enquanto acompanha as mortes, uma por uma, dos pacientes que estão internados na mesma ala, Fumiko se torna cada vez mais descrente de uma possível melhora, e é nesse ponto que a poeta mais produz, pensando em seus filhos que não pode encontrar ou em seu amor perdido.

A chegada de um novo personagem adiciona à trama da protagonista uma nova perspectiva além do seu status de moribunda. Um jornalista de Tóquio, que praticamente havia escrito seu atestado de óbito em uma matéria, aparece para um furo de reportagem, desejando entrevistar a poeta que espera pela morte em uma cama de hospital. O embate entre estes dois personagens dá um ritmo diferente ao melodrama que o espectador estava habituado até então, embora o roteiro ainda conserve muito dele em diversos diálogos.

Entre idas e vindas de Fumiko que transita entre a lucidez e certeza de seu destino infeliz, a protagonista também encara momentos de uma leviandade onde despeja algumas verdades nos outros personagens que a cercam. Dotada de uma personalidade muitas vezes egoísta, como é mencionado diversas vezes pela poeta, em seus momentos finais, ela não abandona a característica que sempre lhe foi própria em seus dias sadios. Empenhada em não dar o braço a torcer ao jornalista ou a qualquer outra pessoa, a poeta busca força onde não há mais, em uma última tentativa de manter alguma independência para si.

O desencadeamento de uma nova relação entre poeta e jornalista enriquece a trama com o romance, que não fora explorado na primeira metade do filme e, ainda que seja até um tanto estranho, o sentimento que floresce entre estes personagens traz para o filme uma fagulha de esperança em meio aos dias melancólicos de Fumiko. Há, nos últimos minutos, muito do que gostaria de ter visto durante o restante da exibição. Seu desfecho é emocionante e muito bem realizado e as cenas finais são de uma beleza e tristeza que decerto são capazes de comover.

Para Sempre uma Mulher é um filme importante que com certeza me sinto agradecida por estar disponível e preservado. Acompanhar o trabalho em andamento de diretoras que estavam ali, adentrando um universo inteiramente masculino é algo que muito me alegra como crítica e cinéfila. Kinuyo Tanaka certamente fez um grande trabalho dadas as circunstâncias do ambiente em que pôde trabalhar, sendo responsável por mais outros cinco filmes e deixando seu nome marcado na história do cinema japonês.


  Filme: Chibusa yo eien nare (乳房よ永遠なれ)
Elenco: Yumeji Tsukioka, Ryoji Hayama, Masayuki Mori, Yoko Sugi, Shiro Osaka, Yoshiko Tsubouchi.
Direção: Kinuyo Tanaka
Roteiro: Sumie Tanaka
Produção: Japão
Ano: 1955
Gênero: Biografia, Drama
Sinopse: Amplamente considerado o primeiro filme pessoal de Kinuyo Tanaka, “Para Sempre uma Mulher” conta a história de uma recém-divorciada que é diagnosticada com câncer de mama em estágio avançado. Ao adaptar a história da vida real da poeta Fumiko Nakajo, Tanaka e a roteirista Sumie Tanaka (uma colaboradora de longa data de Mikio Naruse, embora sem nenhuma relação familiar com Kinuyo) investigam questões de mortalidade, sexualidade e independência feminina com uma franqueza e audácia sem precedentes no cinema japonês do pós-guerra.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Nikkatsu
Streaming: Filmicca
Nota: 7,5

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