CRÍTICA – PISQUE DUAS VEZES

CRÍTICA – PISQUE DUAS VEZES

A era dos thrillers psicológicos está a todo vapor. O gênero vem ganhando cada vez mais força popular e, entre os vários lançamentos recentes, esse ano foi a vez de Zoë Kravitz, em sua interessante estreia na direção, trazer um filme que emula uma odisseia ao terror feminino. Em Pisque Duas Vezes, acompanhamos a jovem garçonete Frida que aceita o convite para passar as férias na ilha particular do bilionário Slater Sking, onde coisas estranhas começam a acontecer. Kravitz, metaforicamente, convida o espectador a montar as peças de um misterioso quebra-cabeça em torno daquela viagem luxuosa que, pouco a pouco, vai se tornando uma experiência no mínimo perturbadora. É como se fosse um Corra para mulheres. 

Ritmo e Identidade

O longa não tem pressa em introduzir seus personagens e toda pompa que aquela ilha irá proporcionar aos seus convidados, de tal maneira que o deslumbre transborda à tela, ora pela fotografia estilosa e rica em cores vibrantes, ora pelos planos que enfatizam toda essa opulência ao mostrar – quase que excessivamente – os drinks, os roupões de tecidos finos, a culinária de alto nível, a grande piscina, a imensidão daquela casa. É interessante, na posição de espectador, fazer o exercício de reflexão que pouquíssima parcela da população mundial teria o privilégio de desfrutar tal vivência luxuosa; com isso em mente, tal convite ser aceito por Frida provoca indagações do tipo: “será que eu também toparia essa aventura? Só se vive uma vez, afinal!”.  

Embora não se aprofunde no tema, o longa também cutuca essa cultura de fascínio que há por pessoas ricas e famosas, os influencers, o que inclusive é o pontapé inicial para nossa personagem e sua amiga aceitarem o convite um tanto suspeito. Uma chance mínima para acessar algum nível de intimidade desse grupo social seria uma proposta irrecusável para muitos. No seu decorrer, o filme intercala essa dualidade de céu/inferno: como os supostos melhores dias da vida de alguém podem estar soando como um pesadelo? Bem aquele meme que diz que “algo de errado não está certo”. Há um desconforto constante e isso é muito bem estabelecido. 

Porém, vale destacar que há uma morosidade, sobretudo no primeiro ato, que compromete consideravelmente o desenvolvimento e o ritmo da trama, tornando-a por vezes repetitiva, tanto nas simbologias, em repetições de certas imagens (que são recursos a fim de dar “pistas” para matarmos a charada do que de fato está errado ali), quanto na construção da narrativa em si, remetendo inevitavelmente a outros filmes do gênero, como Corra, Midsommar ou Não se Preocupe, Querida; assim, fazendo com que o filme perca sua identidade própria e originalidade visual, por mais que tente se diferenciar. É como se tivéssemos um déjà vu: “ok, acho que já vi isso em vários outros filmes…”, não há muita inovação ou ousadia estilística. 

O propósito não sutil e necessário

Embora o filme se arraste mais do que deveria em torno daquele mistério incessante, tendo algum tipo de elucidação quase com 1 hora de rodagem, é louvável destacar que o maior potencial da produção está em explorar alegoricamente o pesadelo palpável acerca da opressão masculina. É um alerta que beira a uma denúncia: a que nível de ocultação e impunidade uma boa condição de poder aquisitivo e social pode acarretar?  

Logo no início, fica subentendido que Slater King havia sido alvo de polêmicas por supostos crimes cometidos, porém, somente por ter vindo a público pedindo desculpas e garantindo ser uma nova pessoa, tudo continuou bem… Vida que segue. Por vezes, o “perdão social” pode ser um mal intrínseco em se tratando de circunstâncias graves, fazendo com que certas atitudes criminosas sejam normalizadas a nível de criar um círculo vicioso, do mal que insiste em se repetir gradativamente, mesmo que seja de maneira oculta, velada – ainda mais com a skin do branco, hétero e bilionário. 

Com uma breve análise sociológica, sabemos bem que não há lei ou justiça para esse grupo de pessoas. Há toda uma estrutura hierárquica que visa beneficiar a uns e prejudicar a outros – aliás, o final do longa conversa bem com esse paralelo.

Nuances do desfecho

Depois que o mistério macabro sobre o que de fato estava acontecendo ali é revelado, o filme abandona os signos e parte para uma abordagem mais frontal, violenta (o que faz sentido) – entretanto, também parte para um tom mais cômico, com um humor meio sagaz, ácido, malicioso, que fica um tanto fora de tom para a gravidade do tema em questão ali.  

A essa altura, é como se o filme tivesse perdido tempo demais preocupado em “preparar o terreno” para desvendar a grande incógnita a ponto de tornar a revelação um tanto apressada e abrupta. Se os personagens secundários tivessem sido melhor utilizados anteriormente, a revelação teria ainda mais impacto.  

Ainda assim, o um plot twist um tanto imprevisível, visto que, a priori, somos levados a crer em “N possibilidades”: seria algo sobrenatural? Algo espiritual? Ritual? Bruxaria? Seita?… O choque de realidade acontece quando percebemos que nem todo o mal vem de outro plano: Pisque Duas Vezes nos lembra que o ser humano pode ser infinitamente pior do que qualquer mal abstrato.


Filme: Blink Twice (Pisque Duas Vezes)
Elenco: Naomi Ackie, Channing Tatum, Alia Shawkat, Adria Arjona, Simon Rex, Christian Slater, Haley Joel Osment
Direção: Zoë Kravitz
Roteiro: Zoë Kravitz, E.T. Feigenbaum
Produção: Estados Unidos 
Ano: 2024
Gênero: Suspense
Sinopse: O bilionário Slater King conhece a garçonete Frida e a convida para passar umas férias em sua ilha. O que parecia o paraíso, aos poucos começa a se tornar uma experiência angustiante e Frida começa a questionar a sua realidade quando percebe que há algo errado com aquele lugar. 
Classificação: 18 anos
Distribuidor: Warner Bros. Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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2 thoughts on “CRÍTICA – PISQUE DUAS VEZES

  1. Fiquei com vontade de assistir, embora não seja muito fã desse nicho de filme. Vou deixar salvo na listinha, um dia que estiver de bem com a vida, paro para assistir.

  2. Ótimo texto, Joey. Também me veio a mente enquanto assistia o Corra do Peel, um protagonista num ambiente estranho e com pessoas estranhas, apesar desse saber dosar e transitar bem entre mistério e comédia. Sinto que hollywood anda seguindo a mesma cartilha de “alivio cômico” que só me faz odiar piadas… Espero que os futuros filmes da Kravitz seja novas pérolas do cinema

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