CRÍTICA – PRAIA DO FUTURO

CRÍTICA – PRAIA DO FUTURO

Gosto de pensar que Praia do Futuro não é um filme. É um texto. Daquele tipo que a gente mais contempla do que entende. E se entende, compreende um tempo depois. O tipo de arte que vai aos poucos, a goles suaves, redescobrindo a cada instante suas camadas de significado. Talvez por isso ele tenha recebido criticas mistas desde sua estreia, alternando entre a boa atuação de seu elenco, a cinematografia mais introspectiva e o tema proposto.

O título já demanda algo de provocativo. No berço de seu nascimento a praia foi batizada por conta de um anúncio da Imobiliária “Antônio Diogo” que, em 1966, fez divulgação do “Novo Bairro”. Na mesma época, esta área de Fortaleza era pouco frequentada, já que, por motivos culturais da época, as famílias da alta classe não poderiam ter contato com a classe bastarda, que ocupava parte daquela área. Aqui, no ponto da história no qual o roteiro começa, praia do futuro tem um significado muito mais simbólico, unindo sua herança histórica com a trama de seus personagens.

O filme conta a história de um salva-vidas chamado Donato (Wagner Moura) que, após testemunhar a morte de um turista alemão na praia, desenvolve uma relação amorosa com o irmão mais novo do turista, Konrad (Clemens Schick).

A relação entre Donato e Konrad começa nesse ponto, transformando o acidente em um grande acaso, no qual duas almas distintas e diferentes se encontram. Por isso os dois desenvolvem uma forte ligação e passam a viver juntos em Berlim, na Alemanha. A partir daí o filme explora a dinâmica do relacionamento entre eles, mostrando tanto os momentos de amor e paixão quanto as dificuldades enfrentadas pelo casal. O filme é uma exploração íntima das emoções de Donato e de seu processo de luto e redescoberta.

O amor é retratado como algo intenso e visceral, que transcende barreiras culturais e geográficas, abordando temas como identidade, pertencimento e a busca por um lugar no mundo, mostrando como o amor pode ser uma força motriz capaz de transformar a vida das pessoas.

Tudo isso, com ajuda de uma fotografia que beira a poesia. Ela é um elemento essencial da narrativa do filme. Desde o início, as cores vibrantes de Fortaleza e a imensidão do oceano contrastam com a sobriedade e o cinza de Berlim, evocando as diferentes fases da jornada emocional de Donato. Uma ferramenta que permite ao espectador mergulhar na atmosfera do filme e sentir a evolução do estado emocional do protagonista.

No entanto, é a poesia visual do filme que eleva a fotografia a um nível superior. A fotografia poética é aquela que não se limita a representar o mundo visual, mas busca expressar emoções, sensações e ideias abstratas através de imagens. Em “Praia do Futuro”, a poesia visual está presente nas imagens que se repetem ao longo do filme, criando um leitmotiv, ou seja, uma ideia repetida que reforça a história e o estado emocional dos personagens.

Por exemplo, a imagem da praia e do mar é uma constante em “Praia do Futuro”. A primeira cena do filme mostra Donato e seus colegas salva-vidas resgatando um turista em apuros no mar. Mais tarde, vemos Donato e Konrad na praia, observando a imensidão do oceano. A imagem da praia e do mar é uma metáfora poderosa para a vida, a morte e o renascimento. A fotografia poética de “Praia do Futuro” usa a imagem da praia e do mar para simbolizar a jornada de Donato, que precisa enfrentar a dor da perda para se reencontrar consigo mesmo.

Outro exemplo de fotografia poética em “Praia do Futuro” é a imagem dos espelhos. Ao longo do filme, vemos Donato se olhando em espelhos e reflexos, criando uma sensação de desconexão entre sua imagem e sua identidade. A imagem dos espelhos é uma metáfora para a dualidade da identidade de Donato, que precisa reconciliar sua vida em Fortaleza com sua nova vida em Berlim. A fotografia poética de “Praia do Futuro” usa a imagem dos espelhos para transmitir a luta interna do personagem e sua busca por um novo sentido para sua vida.

Tudo isso sacrifica algo que é fundamental para alguns: O ritmo do filme. Com uma trilha sonora mais melancólica e a valorização da paisagem natural de Fortaleza, a narrativa se desenrola em um ritmo mais lento e contemplativo, com predominância de planos longos e sequências que valorizam o silêncio e a introspecção dos personagens, sem pressa em avançar na trama, dando bastante espaço para a experiência subjetiva de quem assiste, em prol da emocional.

Praia do Futuro definitivamente não é um filme para todo mundo. Não cabe em um fim de semana com pipoca e família. Mas, ainda assim, é essencial. Tem muitas coisas ali que precisam ser assistidas, ouvidas e sentidas.

Filme: Praia do Futuro
Elenco: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuita Barbosa
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Karim Aïnouz; Felipe Bragança, Marco Dutra
Produção: Brasil, Alemanha
Ano: 2014
Gênero: Drama
Sinopse: Pouco depois de não conseguir resgatar um homem afogado, Donato conhece Konrad, um amigo da vítima. Eles logo começam um relacionamento que parece condenado desde o início, enquanto o passado de Donato o alcança.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Califórnia Filmes
Streaming: Globo Play
Nota: 6,5

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