CRÍTICA – RETORNO A ÍTACA

CRÍTICA – RETORNO A ÍTACA

Retorno a Ítaca (Cantet, 2014) retrata uma noite na vida de cinco amigos cubanos. Amadeo (Néstor Jiménez Rodriguez) passou 16 anos de sua vida morando na Espanha. Quando o homem resolve retornar à Havana, o grupo organiza uma festa para o receber. Ao longo do evento, lembranças voltam à tona e discussões sobre o passado e o futuro acaloram o clima da recepção.

Ulisses e o retorno a Ítaca

A obra tem o nome baseado na Odisseia, de Homero. Nela, Ulisses retorna a sua terra natal, a ilha de Ítaca, após anos afastado. Enquanto estava longe, sua esposa, Penélope aguardou o seu retorno. Posteriormente, quando se reúnem, o homem toma conhecimento de todas as desgraças que ocorreram na vida de Penélope enquanto estava longe.

Certamente, o paralelo entre a vida de Ulisses e de Amadeo é perceptível. Amadeo, assim como o heroi grego, se afastou de sua terra. Eventualmente, quando retorna, seus amigos o atualizam de todas as mazelas que ocorreram com eles e com Cuba nesse meio tempo; incluindo a morte de sua esposa, que ficou para trás.

Flutuação de humor

Dessa maneira, Retorno a Ítaca (Cantet, 2014) é uma obra volátil. Em outras palavras, a atmosfera da festa vai de 8 à 80 em segundos; e depois retorna ao 8. Os amigos compartilham seus feitos, conquistas, medos e frustrações. Entretanto, sempre existe um certo ressentimento por Amadeo. Mesmo que esteja mesclado com amor pelo homem, a sensação de abandono está presente. 

Assim sendo, conforme o grupo vai conversando e revelando detalhes de suas vidas, segredos vão sendo expostos e feridas são abertas. Ou seja, se em um minuto estão rindo e se divertindo, no próximo podem estar brigando e gritando. Desse modo, é um filme explosivo, como um bombardeio. As coisas constantemente explodem, para logo em seguida terem seu fogo apagado. E, então, explodem de novo. 

Nessa lógica, existe inclusive uma espécie de transição de gêneros no filme. Isto é, em um momento o espectador está se divertindo com os amigos — rindo de seus causos e conversas, como uma comédia. Logo em seguida, tudo pega fogo, e nos vemos inseridos em um dramalhão tenso.

O naturalismo de Retorno a Ítaca

Entretanto, tais flutuações (sejam no tom da obra ou nas emoções dos personagens) não soam artificiais, por mais arbitrárias que sejam. Lauren Cantet articula os elementos cinematográficos para aquela situação soar o mais natural possível. Assim sendo, a montagem é suave, os enquadramentos são orgânicos, a transição do tempo é sutil. Até mesmo o isolamento espacial dos personagens corrobora essa sensação. Quase nunca o filme se permite sair do terraço do prédio; por consequência, cria-se uma espécie de barreira física, que não permite com que coisas externas aquele grupo de amigos roubem o foco e quebram a sintonia daqueles eventos.

Sob o mesmo ponto de vida, é interessante notar como Retorno a Ítaca (Cantet, 2014) é um filme que evita ao máximo elementos extra-diegéticos — ou seja, que não existem no mundo do filme. Isto vai desde a montagem —  que, como já citada, tenta ser imperceptível —  até à trilha sonora. Não é uma obra ausente de trilha, pelo contrário, possui uma e a mesma desempenha um papel importante ali. Entretanto, as músicas estão sempre sendo ouvidas (ou tocadas) por aquele grupo de amigos; nunca é algo só para o espectador.

História política de Cuba

Dessa forma, Cantet busca sempre o isolamento de todos os componentes daquele mundo, tentando atingir um naturalismo sempre realista. Inegavelmente, a política é muito presente na história daquelas pessoas; afinal, estamos falando de Cuba. Eles possuem (ou possuíam) ideais e sonhos sociais; participaram de ativismo; se envolveram em lutas. 

Contudo, devido a essa busca do diretor pelo isolamento do grupo, Retorno a Ítaca (Cantet, 2014) não consegue encontrar lugar para uma contextualização política ao espectador. Afinal, não há espaço para nada que não seja a interação entre os amigos. Assim sendo, vislumbramos apenas conversas de pessoas que estão imersas na situação socioeconômica. Dessa maneira, cabe ao espectador ter conhecimentos externos à obra para compreender por completo o peso de tudo que se passa naquele terraço. 

De fato, a falta de compreensão histórica de Cuba não chega a atrapalhar a assimilação da obra. Afinal, continua sendo um filme que funciona sem estes conhecimentos; o cerne da obra está muito mais na desenvoltura dos relacionamentos daquelas pessoas. Contudo, é inegável que possuir a compreensão sociopolítica da situação traz uma semântica diferente para Retorno a Ítaca (Cantet, 2014).

Jornada do espectador

Em suma, Retorno a Ítaca (Cantet, 2014) é uma montanha-russa de emoções. Tal variação afeta mais os personagens do que o espectador. Para quem vê, é uma jornada mais constante; o naturalismo do diretor afeta um pouco o sentimento. Entretanto, ainda é divertido acompanhar como a dinâmica entre aqueles cinco amigos é constantemente modificada.


Postêr do filme "Retorno a Ítaca", de Laurent Cantet. Filme: Retorno a Ítaca
Elenco: Isabel Cristina Santos Téllez, Jorge Perugorria, Fernando Hechavarría, Néstor Jiménez Rodriguez, Pedro Julio Díaz Ferrán
Direção: Laurent Cantet
Roteiro: Laurent Cantet, Leonardo Padura, Robin Campillo
Produção: França
Ano: 2014
Gênero: Comédia, Drama
Sinopse: Amadeo retorna à Cuba depois de 16 anos morando na Espanha. O que era pra ser uma festa de reencontro para ele, se transforma em uma exposão de emoções.
Classificação: 12 anos
Distribuidora
: Imovision
Streaming: Reserva Imovision
Nota: 6,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *