CRÍTICA – ROTTING IN THE SUN

CRÍTICA – ROTTING IN THE SUN

Ao pensarmos numa ideia de mundo do século XXI, imediatamente as redes sociais e as telas nos vêm à mente. Estamos inundados de informações e perfis do que deveria ser o estilo de vida perfeito para nos espelharmos. Fora isso, o limite da privacidade se torna muito mais estreito ao observarmos tamanha exposição dos usuários das redes. Nesse sentido, Rotting in the Sun faz um recorte de uma realidade de dentro da comunidade LGBTQIAPN+, mais especificamente do mundo gay GGG, para falar de necessidades universais dentro da realidade em que vivemos. O que é performance e o que é realidade? Somos seres guiados apenas por aparências e interesses superficiais?

Sebastian Silva, que interpreta a si mesmo, está deprimido, abusando de drogas e com pensamentos suicidas, mas ninguém parece se importar muito. Como forma de espairecer, ele vai para uma praia nudista no México frequentada pelo público gay e conhece o delirante Jordan Firstman, que também se interpreta, topando dirigir seu novo projeto. A partir disso, inicia-se uma jornada de diálogos com discursos propositalmente vazios e cenas de pênis, bundas e sexo extremamente explícitas que compõem a atmosfera despudorada do longa. A nudez e o sexo não estão alí por acaso. Essas cenas discutem o que há de importância para as pessoas na visão de Sebastian, que deixa claro o tempo todo que não liga para essa vida fútil de aparências. Alguns desses momentos nada moralistas são até engraçados, mesmo que mórbidos, ao  pensar no rumo levado pelo segundo ato.

A reviravolta e o auge do filme acontecem no segundo ato, o qual se instala um suspense divertido de acompanhar. É aí que se destaca a incrível Catalina Saavedra, no papel da empregada Vero, que consegue ser cômica na medida certa e, ainda assim, consegue nos deixar tensos. A direção trabalha a urgência e a impaciência de forma agoniante de acompanhar os rumos desse tal acontecimento. Com o uso da câmera na mão, quase como um mockumentary que está quase sempre bem perto dos personagens e é muito intrometida, assistimos o declínio e a desimportância do sofrimento alheio que, apesar de ser presente em cada um dos personagens e nos espectadores, não nos interessa se não contribui para algo em nossas vidas. Nesse caso, percebemos que Firstman está mais preocupado com seu projeto de TV e com a atenção que quer receber, do que com o que realmente está acontecendo, que é trágico. Afinal, ele filma praticamente tudo que vive para postar nos stories do Instagram. Se por um lado Vero, mesmo que enrolada, quer dar conta da realidade que foi colocada, o resto dos personagens continua a vida como se nada tivesse acontecido.

O excesso de importância que damos a nós, faz com que tratemos com indiferença a realidade. Talvez por isso os personagens desse filme sejam tão irritantes. Por estarem num nível acima do normal de egoísmo e da burrice e, talvez, um tanto quanto caricatos, nós nos distanciamos deles. Mas, pensando bem, talvez nos distanciemos justamente porque nos identificamos em certos pontos, mas não queremos enxergar. Todos querem falar, mas ninguém quer ouvir. A dificuldade de encontrar uma língua em comum entre os personagens e o uso cômico de um tradutor, inclusive, é uma boa maneira de representar a anulação da capacidade de escuta.

Fazer o recorte da comunidade LGBTQIAPN+ com a obra é muito importante. Questões de saúde mental, abuso de substâncias e o sexo são temas que estão ainda muito presentes dentro da comunidade. Crescer em uma sociedade preconceituosa significa  passar diariamente por questões de discriminação e violência, fazendo internalizar sentimentos negativos quanto a sua sexualidade e modos de agir e se comportar. Isso pode dificultar o desenvolvimento da identidade sexual dessas pessoas, assim como acarretar problemas de autoestima e relacionamentos amorosos e sexuais. Homens gays e/ou bis, que são o recorte mostrado pelo filme, portanto, talvez sintam a necessidade de fazer o uso de drogas durante o sexo por terem dificuldade em lidar com sua própria sexualidade, tendo em si, muitas vezes, uma homofobia internalizada tão intensa que, sem o uso de substâncias, não conseguem expressar seus desejos sexuais. 

Dessa maneira, Rotting in the Sun é um filme competente. Tanto na mensagem passada através de cenas muito bem escritas, quanto na linguagem. É um filme que não demoniza o sexo e as drogas. Muito pelo contrário. Sugere comportamentos nocivos de uma comunidade com a responsabilidade de demonstrar as consequências de um mundo danoso às pessoas. Além disso, a tragicomédia trabalhada no longa é feita na medida certa, levantando debates necessários sobre saúde mental, realidades socioeconômicas, alienação e privacidade. Certamente, um dos melhores roteiros de 2023. São temas já discutidos, mas de uma maneira muito específica e interessante.

Filme: Rotting in The Sun
Elenco: Jordan Firstman, Catalina Saavedra, Sebastián Silva, Martine Gutierrez, Mateo Riestra, Alberto Rafael Cortes.
Direção: Sebastián Silva
Roteiro: Sebastián Silva, Pedro Peirano
Produção: Estados Unidos, México
Ano: 2023
Gênero: Comédia, Drama, Mistério
Sinopse: Sebastián Silva está separado da vida, lutando para ter sucesso no mundo da arte e habitualmente tomando cetamina. Quando ele conhece o influenciador de mídia social Jordan Firstman em uma praia de nudismo, os dois discutem a colaboração, mas o destino tem outros planos.
Classificação: 18 anos
Distribuidor: MUBI
Streaming: MUBI
Nota: 9,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *