CRÍTICA – SALAMANDRA

CRÍTICA – SALAMANDRA

Salamandra (2021) é o primeiro longa-metragem do diretor Alex Carvalho. Estreando apenas neste ano nos cinemas brasileiros, o filme se inicia com a chegada de Catherine (Marina Foïs), uma jovem francesa, ao Brasil. De início a vemos em uma degustação às cegas composta por pessoas aparentemente abastadas. Com um texto, neste início, bem afiado apontando para uma crítica social e não só – afinal são franceses no nordeste brasileiro –, a protagonista já se coloca de forma muito rápida em uma posição de reconhecer seus privilégios, mas, também, de querer não se valer por conta deles. Seu olhar sobre aquela ocasião é bastante reprovador como fica claro quando é ela a primeira a tirar a venda dos olhos. Entretanto, apesar desse belo cartão de visitas, o filme vai percorrer outros caminhos, e estes não são tão claros.

Catherine já é uma mulher de meia idade que chega ao Brasil e se hospeda no apartamento de sua irmã Aude (Anna Mouglalis). Elas não possuem uma relação muito calorosa, na verdade existe muito distanciamento nesse convívio entre elas. E Catherine não está ali por causa de Aude, está pelo simples fato de estar perdida, sobretudo, por conta da morte de seu pai – falecido um mês atrás.

Essa relação não será trabalhada aqui, mas pontualmente ela aparecerá causando extremo desconforto e desconfiança por parte do público já que é sentido que há ali uma ideia de cumplicidade entre as irmãs que, em nenhum momento, foi posta ou sequer imaginada que existisse. São irmãs, mas se mostram como duas desconhecidas. Sem contar o cunhado de Catherine, Ricardo (Bruno Garcia), a quem não se permite qualquer investimento em seu desenvolvimento. Em suas poucas cenas o sentimento que fica é a de um personagem descartável – o que acontece com muitos outros personagens aqui.

Um dos elementos que distanciam ainda mais Catherine de sua “família” é o relacionamento com um homem mais jovem, mais pobre e negro, o Gil (Maicon Rodrigues). Apesar da grande barreira do idioma, que nos causa uma certa aflição em não saber como aquele romance vai conseguir se estruturar, o diretor escolhe uma outra forma de linguagem: a do olhar. Tem um certo voyeurismo em Salamandra, principalmente, quando os corpos são filmados, bem como as cenas de sexo. O diretor brinca com esse olhar e com as composições das cenas, sobretudo nesse contraste entre o corpo negro e o corpo branco. Corpos que são valorizados na perspectiva da estética mesmo, uma vez que, ao final, a câmera paira sobre algumas marcas do corpo de Catherine para justamente causar algum tipo de reflexão.

Catherine entra de cabeça nesse relacionamento por dois motivos. O primeiro é pelo fato de que Gil compartilha com ela o zelo pelas pessoas. Ela o vê sendo brincalhão com algumas crianças, ela o vê dando banho em um idoso debilitado. Cada ação dessa reverbera em Catherine nos fazendo pensar que ela, de imediato, as relaciona com os cuidados que tinha com seu pai. Mas o outro motivo está mais na ideia de culpa. Alex Carvalho coloca esta personagem, como já disse mais acima, com muita propriedade e clareza de onde vem. Ela percebe as violências que Gil sofre de seu chefe e “amigo” Pachá (Alan Souza Lima). Violências que se estendem em maior ou menor grau para toda a sociedade, como na cena da piscina e, também, quando Aude descobre que ela e Gil estão se relacionando, na qual se coloca contra esse relacionamento sem nenhum motivo claro para isso, restando apenas o preconceito como justificativa. Entretanto o filme também não se debruça sobre isso. A realidade é que a confusão que paira na cabeça de Catherine, que a faz inerte em diversos momentos aqui, também é mostrada na condução deste filme.

Ao pensarmos em como Catherine chega ao Brasil e em como o filme termina, percebemos que o caminho percorrido foi através de aleatoriedades. Não houve uma coesão dos momentos vividos, mas sim um atropelo dos acontecimentos. O filme possui uma cadencia ao contar esta história e que, de certa forma, se alongou demais. Mas ao mesmo tempo, em certos momentos, escolheu dar saltos para que víssemos de forma rápida as consequências das ações daqueles personagens. Nesse sentido vale fazer uma ponderação sobre as cenas de sexo que o diretor insere aqui. Se em um primeiro momento essas cenas funcionam para a construção da química daquele casal inter-racial, de duas pessoas que falam línguas diferentes, mas que na cama se entendem, ao fim, já não possuem essa mesma importância. Parece mais um gosto pessoal do diretor em mostrar um homem e uma mulher transando. E isso ganha ainda mais contornos quando percebemos que Gil não é aquele homem cheio de confiança que parecia ser em sua primeira cena. Essa quebra e, principalmente, o surgimento de uma antipatia por ele, nos faz desacreditar daquela relação, antes mesmo de Catherine perceber isso.

Salamandra tenta enveredar por um ar poético, ao som das ondas que se faz presente durante boa parte do filme, mas cai em uma história frágil de uma mulher perdida que se coloca cada vez mais em uma situação de vulnerabilidade física, sentimental e, até mesmo, financeira.


Filme: Salamandra
Elenco: Marina Foïs, Maicon Rodrigues, Anna Mouglalis, Bruno Garcia, Allan Souza Lima, Buda Lira, Suzy Lopes
Direção: Alex Carvalho
Roteiro: Alex Carvalho e Jean-Christophe Rufin
Produção: Brasil, Alemanha e França
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: Depois de passar anos cuidando do pai, Catherine se sente sufocada pelo contraste entre seus sentimentos e a sua realidade. Ela foge para o Brasil esperando se reconectar com sua irmã. Nesse novo cenário, livre de responsabilidades, mas ainda desorientada, ela se vê envolvida num romance inesperado com Gil, um jovem carismático.
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

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