Setembro 5 é mais do que um filme, mas não muito. Seu título é uma referência direta ao ataque do grupo palestino Setembro Negro à delegação israelense durante os Jogos Olímpicos de Munique, no dia 5 de setembro de 1972. Mas, embora seja uma dramatização dos acontecimentos, o filme do diretor Tim Fehlbaum não ousa reencenar os momentos trágicos que se passaram dentro da Vila Olímpica.
Ao invés disso, Setembro 5 foca no desenrolar dessas 24 horas pela perspectiva da equipe de jornalismo esportivo da emissora estadunidense ABC, na ocasião a única com transmissão ao vivo do local. Mais de meio século depois ainda é possível traçar paralelos muito claros entre esse passado distante e os dias de hoje. Porém, no meio disso, a conclusão nefasta é que, essencialmente, nada mudou… Ou, se mudou, não foi para melhor. Mais do que isso, tomando o texto – ou possível subtexto – do filme como base, sequer há muito interesse nessa transformação.
O mundo contra a Palestina
É difícil evitar spoilers em análises sobre filmes baseados em acontecimentos reais, ainda mais quando esses fatos são transmitidos ao vivo, chocando a audiência mundialmente. Estima-se que cerca de 900 milhões de espectadores acompanharam a transmissão feita pela ABC naquele dia, o que por si só coloca uma responsabilidade enorme sobre o trabalho do jornalismo.
Assim, o que está sob os holofotes do filme é o dilema dos profissionais da emissora dedicados a transmitir o ataque e a pressão esmagadora de tomar decisões sem volta em questão de segundos. Mais do que isso, essa pressão foi ampliada tanto pelo desejo de provar a capacidade da equipe de esportes de cobrir o caso de forma adequada como pelas tensões ainda vivas da 2ª Grande Guerra e do sionismo nascido em resposta à aniquilação dos judeus pelo regime nazista.
Tudo isso, embora talvez não sirva de justificativa, levou aqueles jornalistas a fazerem o mesmo que muitos fazem ainda hoje. À luz dos conflitos atuais entre Israel e Palestina, apresentam os fatos como em um embate entre o povo palestino e a segurança do resto do mundo.
Jornalismo de mocinhos e bandidos
É difícil dizer até onde os fatos em tela são a dramatização do que realmente aconteceu e o que foi imaginado para preencher lacunas. Dito isso, o docudrama deixa a impressão de ser um filme “em cima do muro”, sem conclusão aparente. Não é para menos, afinal, mesmo mais de 50 anos depois, o tema ainda é delicado.
Conhecido como Setembro Negro, o grupo responsável pelo ataque demandava a libertação de mais de 200 palestinos detidos em prisões israelenses em troca dos atletas em cativeiro. Produções menos dramatizadas sobre o incidente, entrevistas com envolvidos e a análise do desenrolar do ataque sugerem que não havia intenção de um desfecho violento.
Por volta das 5 horas da manhã, o grupo palestino declarou que as suas demandas deviam ser atendidas até o meio-dia ou os reféns seriam mortos. De pronto, o Estado de Israel, à época liderado por Golda Meir, recusou o pedido. Mesmo assim, quando o prazo se encerrou, ao invés de cumprir a ameaça, o grupo adiou o ultimato para as 17h e, mais tarde, exigiu um avião para fugirem com os reféns para um território árabe.
No entanto, o plano saiu do controle logo no início quando dois reféns foram mortos. O rastilho da pólvora estava aceso, os palestinos eram os vilões. Embora o filme mostre a preocupação dos profissionais de cobertura noticiosa sobre o juízo de valor durante a transmissão, a ABC se voltou ao sensacionalismo. Travando a guerra por audiência, ela, provavelmente, teve sua parcela de culpa na tragédia que estava por vir.
Drama digno de Oscar…
O filme Setembro 5 concorre ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original ao lado de O Brutalista, Anora, A Verdadeira Dor e A Substância. Como dito, ele parece ter medo de desagradar a comunidade judaica, que tem raízes profundas na indústria cinematográfica.
De fato, os judeus foram vítimas no ataque, isso é inegável. Contudo, embora o experiente jornalista Peter Jennings – vivido pelo ator Benjamin Walker – e o produtor Marvin Bader (Ben Chaplin) tentem reforçar a complexidade do conflito, não há menção às motivações do ataque. Para o filme, o Setembro Negro poderia muito bem estar exigindo a libertação de 200 sádicos de casas de repouso. Por sua vez, Israel jamais cogitou atender aos sequestradores e se limitou a tentar enviar combatentes experientes para negociar, atitude que foi negada pelo governo alemão e não é representada no filme.
Além disso, é possível ver também como o povo alemão, duas décadas depois do nazismo, parecia “pisar em ovos” com os outros países. Isso é ilustrado na hostilidade da equipe com a colega intérprete alemã Marianne Gebhardt – que ganha vida no talento de Leonie Benesch – e seus compatriotas. Também vemos o desprezo dos estadunidenses pelas autoridades locais, questionando constantemente o trabalho da polícia.
… ou só um bom recorte histórico?
Por fim, um dos pontos cruciais da trama reside na interferência direta da cobertura precipitada e descuidada feita pela equipe da ABC nas ações de resgate das autoridades alemãs. Mais uma vez, o ataque aconteceu há mais de 50 anos e o que se têm são relatos de envolvidos. Talvez Geoff Mason (John Magaro) e Roone Arledge (Peter Sarsgaard) tenham liderado a equipe ao cometerem erros por falta de informação ou talvez fosse influência da linha editorial da emissora. Fato é que nada disso parece ser objeto do filme de fato.
Na verdade, o que se pode dizer é que Setembro 5 não se detém em nenhum desses aspectos. Como disse, é difícil não falar em spoilers quando é de conhecimento público que aquele dia terminou da forma mais trágica possível. Tudo com transmissão ao vivo para 900 milhões de espectadores ao redor do mundo, muitos deles assistindo com imagens coloridas.
O papel do jornalismo
O que aconteceu em Munique no dia 5 de setembro de 1972 foi horrível e, enquanto brasileiros, já tivemos experiências semelhantes bem de perto. O sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, em 2000, ou da garota Eloá, em 2008, por exemplo, também tiveram os piores desfechos imagináveis transmitidos pela TV. Em comum com o trabalho da ABC eles têm, dentre outros pontos, como a desumanização dos autores. Indo além, também tiveram a interferência da mídia em maior ou menor escala – a jornalista Sônia Abrão entrevistou Lindemberg Alves enquanto ele mantinha Eloá sob a mira de uma arma de fogo.
A mídia sob ataque
E, de certa forma, essa reflexão acerca do papel e dos limites do jornalismo provavelmente é tudo que Setembro 5 deixa no ar. Sem dúvida, algo marcado na fala final de Marianne sobre como tudo o que ela e os outros – que foram à base aérea de onde os palestinos esperavam fugir – fizeram foi ficar esperando que algo acontecesse para que pudessem capturar com suas câmeras.
Realmente, é uma reflexão importante, porém feita em um momento ruim. A mídia, por um lado, está sob o ataque de oligarcas que acusam a checagem de fatos de promover a censura. Por outro, perde espaço para campanhas de desinformação que servem exclusivamente aos interesses do capitalismo de crise. Diante de tudo isso, Setembro 5 até é um lembrete muito atual e vivo; ele remete a coisas que nós continuamos esquecendo. Ainda assim, a despeito das atuações competentes de seu elenco, não passa disso.
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Filme: September 5 (Setembro 5) Elenco: Tim Fehlbaum, Moritz Binder, Alex David Direção: Tim Fehlbaum Roteiro: Tim Fehlbaum, Moritz Binder, Alex David Produção: Alemanha, EUA Ano: 2024 Gênero: Drama Sinopse: Durante os Jogos Olímpicos de Verão de 1972, em Munique, na Alemanha, uma equipe americana de transmissão esportiva precisa se adaptar para a cobertura ao vivo de um grupo atletas israelenses feitos reféns por um grupo terrorista. Classificação: 12 anos Distribuidor: Paramount Pictures International Streaming: Prime Video Nota: 6,5 |