CRÍTICA – SIN EMBARGO, UMA UTOPIA

CRÍTICA – SIN EMBARGO, UMA UTOPIA

Sin embargo, uma utopia é um documentário de Fabiana Parra sobre o músico brasileiro Kleber Mazziero. No filme, acompanhamos uma apresentação do artista em Cuba como celebração dos 50 anos de sua carreira como pianista.

Logo na introdução, o longa-metragem da diretora brasileira se apresenta a partir de um monólogo em inglês discursado por Mazziero, onde ele conversa diretamente com o governo dos Estados Unidos da América, fazendo um apelo em nome do fim do embargo econômico que o país mantém sobre Cuba já há 60 anos. Um fato curioso sobre isto, inclusive, se dá pelo nome do filme: a expressão em espanhol “sin embargo”, que significa “no entanto”, “entretanto” etc., aqui funciona duplamente quando pensamos no embargo econômico que o país enfrenta.

A viagem de Kleber Mazziero, pianista desde os 6 anos de idade, se dá em meio a um período de grande escassez no país. Narrado e protagonizado pelo músico, o documentário se divide entre os preparativos para seu concerto, suas conversas com profissionais da música cubanos e suas andanças por Cuba, constatando as condições precárias em que a nação, rica em cultura, deve lidar por conta de jogos políticos.

Há uma característica muito específica nessa produção que está relacionada à montagem do filme. São diversas as tomadas que provém de uma repetição do discurso de Mazziero de forma a reiterar tudo aquilo que sai da boca do músico. Em suas conversas, há sempre o fator pessoal, onde o protagonista da história conta e relembra suas experiências de vida até ali, onde esquecemos as questões políticas por trás de seu enredo.

Na verdade, o conteúdo do documentário fica bastante livre ao entendimento do espectador. Não é possível dizer se ele começou como uma biografia que tomou um rumo inesperado, ou se seria o oposto, onde um filme político acabou por se tornar uma biografia. O músico, que possui formação acadêmica em filosofia, usa de seu saber, que se mostra bastante extenso, para formular questões acerca da situação vivida em Cuba.

Fala-se muito sobre educação e em como o país não se deixa abater pela crise instaurada há tantos anos. Há uma passagem onde, em uma conversa com uma convidada, eles dialogam sobre questões relacionadas ao bloqueio econômico, bem como a questão da educação no país e Mazziero fica repetindo que mesmo que falte quase tudo, a cultura é um bem intrínseco ao cubano, afirmação reiterada por seus convidados naturais do país.

Ao assistir de fora, como espectadora, e a partir da visão meio turística, meio jornalística do músico que passou cerca de 15 dias no país, a experiência é aflorada pelos discursos abordados na produção, que transformam o sofrimento diário de uma grande parte do povo no centro de um documentário que está ali para mostrar o quão fortes eles são em meio às intempéries a que estão expostos.

O discurso do início do filme, direcionado ao maior poder político dos Estados Unidos, o presidente Joe Biden e sua vice Kamala Harris, só retorna ao fim da exibição, quando praticamente já foi esquecido em meio ao amontoado de eventos que foram retratados ao longo da produção e parece um tanto desprendido do contexto quando levamos em conta o teor de todo o restante da obra. Ainda assim, é possível encontrar alguma força nas palavras quase que sensacionalistas de Kleber Mazziero.

Sin embargo, uma utopia é, basicamente, um documentário híbrido. A comemoração da prolífica carreira do músico Kleber Mazziero, que tem lugar no país em que ele mesmo chama de sua própria utopia, confunde-se com o discurso político a partir da situação vivida no país. De fato, ambos os assuntos conversam entre si e ao final há uma unidade entre os temas tratados, ainda que não pareça que vá dar certo.

O ponto chave aqui é que, ainda que a montagem do filme tenha conseguido criar uma narrativa com início, meio e fim, e que o resultado seja regular, não há uma sintonia entre a motivação entre a viagem do músico à Cuba e o conteúdo do documentário. É claro que se entende que talvez a ideia inicial do músico e da diretora do filme fosse completamente outra e que, ao chegar às locações, eles foram levados para a realidade dali, porém, destoa um pouco o fato de um artista ir a um lugar que, segundo ele mesmo, se encontra devastado, para comemorar o sucesso de sua carreira.

Sin embargo, uma utopia é um documentário no mínimo estranho, o que não significa que seja ruim. Sua atmosfera descontraída e em tom de conversa não vitimiza o povo cubano, na verdade, a forma com a qual os temas relacionados ao bloqueio econômico no país o colocam em uma posição, de fato, utópica. Ainda assim, a produção acerta em trazer para seu escopo a produção e cultura locais e mostrar que a arte ainda vive e pulsa em Cuba.


  Filme: Sin embargo, uma utopia
Elenco: Kleber Mazziero, Yanner Falcón, Liah Rivero, Angelo Jiménez, Adela Rascón, Daniel Martínez, Rosa Garcia, Ana Tamayo, Nancy Chacón, Fernando Ferrer.
Direção: Fabiana Parra
Roteiro: Fabiana Parra
Produção: Brasil, Cuba
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Sinopse: Um maestro brasileiro vai a Cuba para um Concerto em comemoração a seus 50 anos como pianista. Essa é apenas a premissa do documentário “Sin embargo, uma utopia”: acompanhando as andanças do maestro Kleber Mazziero por terras cubanas, a partir do encontro de um artista brasileiro com artistas cubanos, da arte brasileira com a arte cubana, o espectador observa a realidade de um país que, mesmo diante do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos da América, segue sendo uma Utopia.
Classificação: 10 anos
Distribuidor: Distribuição própria
Streaming: Indisponível
Nota: 7,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *