E bem no encerramento do ano há o lançamento do terceiro filme do ouriço azul velocista mais icônico da cultura pop! E sempre é um sinal positivo quando envolve a adaptação cinematográfica de Sonic, afinal, desde o lançamento do primeiro longa-metragem, em 2020, houve uma espécie de luz no fim do túnel na questão de jogos eletrônicos adaptados para as telas. É quase um movimento que profetizou e abriu as portas para enfim acabar com a maldição de tantos filmes (para dizer o mínimo) de qualidade duvidosa!
Após sua estreia, surgiram várias outras obras que são pelo menos medianas – The Last of Us (2023), Fallout (2024), Super Mario Bros. O Filme (2023) – e fogem das atrocidades que antes eram testemunhadas – Street Fighter (1994), Alone in the Dark (2005), Super Mario Bros (1993) e vários outros exemplos –, havendo no máximo (com algumas ressalvas) a adaptação da série de jogos Silent Hill, nomeado Terror em Silent Hill (2006).
O mais surpreendente é que Sonic possui todos os elementos para gerar uma bizarrice tão grandiosa e estranha quanto o filme do icônico bigodudo Mario de 1993, afinal, temos um ouriço azul antropomorfizado que tem como objetivo completar trajetos correndo em alta velocidade, obtendo moedas de ouro e salvando animaizinhos do médico/cientista maluco vilão clichê nomeado Dr. Robotnik – ou, para os menos íntimos, Dr. Eggman. Existem muitos caminhos que podem ser armadilhas, já que Sonic, na sua narrativa da mídia original (jogo eletrônico), não é o exemplo de histórias mais complexas, conquistando muito mais pelo seu apelo estético do que pela sua teia de eventos.
Houve sinais amaldiçoados dos céus (que geraram até mesmo teorias de conspiração de que havia sido proposital enquanto jogada de marketing para o filme) quando foi revelado o primeiro visual do ouriço para as telonas, gerando tamanha repercussão negativa que seu design foi completamente refeito – e admito, leitores, que sou um dos conspiracionistas, porque é impossível que qualquer indivíduo tenha visto aquilo e considerado plausível de aceitação.
Enfim, em 2024, estamos no terceiro filme e ouso dizer (sei que tem seus concorrentes no cinema) que Sonic é uma das melhores adaptações dos jogos eletrônicos para as telonas de cinema! Contradizendo todos os sinais apocalípticos que vinham anteriores, a volta do ouriço azul velocista foi muito bem planejada e encaixada somando-se ao retorno de uma das figuras mais icônicas do cinema, Jim Carrey, que, interpretando o vilão Dr. Eggman, pode usar ao máximo do seu humor corporal para nos colocar naquele ambiente confortável, entre a diversão e o riso, relembrando que o cinema está aqui para, além de tudo, entreter e Sonic consegue isso muito bem!
Sonic é sobre essa criatura que, fugindo de uma perseguição no seu mundo original, viaja entre dimensões e chega na Terra enfrentando o isolamento para, posteriormente, construir vínculos (formando uma família ao encerramento do primeiro filme) com um casal de humanos, Tom e Maddie (James Marsden e Tika Sumpter), que vão acolhendo outros visitantes conforme o elenco de personagens do jogo original vai aparecendo ao longo da narrativa. No terceiro longa, a família já é composta por Sonic, Tales e Knuckles – e terão sua vida pacífica afetada pelo surgimento de um novo desafio: a aparição do misterioso e sombrio Shadow. Com auxílio da aliança inesperada com o Dr. Eggman, o trio precisa investigar a presença desse novo ouriço e quem está utilizando da tecnologia desenvolvida por Eggman.
Os primeiros elogios vão à equipe de dublagem na voz original (mas ressalto que a dublagem em português-brasileiro mantém sua excelente qualidade histórica), pois um time de peso está presente – Sonic (Bem Schwartz); Shadow (Keanu Reeves); Knuckles (Idris Elba) – e interpreta personagens vívidos e cheios de expressividade, exaltando o quão divertido deve ter sido dar as suas vozes para essas criaturas! É visível (mesmo com todo esforço) que na dublagem brasileira perdemos muito da originalidade de Jim Carrey no papel de Dr. Eggman não reproduzindo todas as nuances que o ator coloca ao interpretar tal figura, mas nada que afete a experiência também – exceto para esses puritanistas que sempre se forçam a ver o filme no idioma original viu!
O aspecto mais interessante que vale para os três filmes é o quanto acertam muito bem no tom da narrativa: vale enquanto experiência atraente tanto para o público infantil (principal alvo dos longas), mas não se esquece dos fãs do universo de Sonic – e eles existem, vejam diante de vocês um que desde a infância joga a maioria dos jogos eletrônicos e vive frustrado com as péssimas experiências contemporâneas envolvendo o ouriço em sua mídia original –, que saem felizes, pois, é o melhor evento que aconteceu com o ouriço azul em pelo menos uma década e simultaneamente é agradável para aqueles que são nada familiares a qualquer aspecto que envolve a obra.
O roteiro da trilogia sabe fazer as referências, tanto em seus momentos de maior seriedade e dramaticidade quanto nos de descontração, construindo jogos de intertextualidade até com “memes” famosos da comunidade na internet, além de tocar muito bem no que tange ao elemento seriedade da sua trama (afinal, estamos falando de um ouriço azul que corre rápido) sem ficar preso às mazelas de colocar qualquer coisa em tela. Essa coesão bem planejada (principalmente através da comparação com as adaptações de outros jogos) mostra sempre que o simples às vezes é o melhor caminho a seguir.
No terceiro filme, havia uma grande expectativa sobre os eventos que discorreriam, afinal, o antagonista mais famoso do universo Sonic iria aparecer e nada resume melhor a empolgação sobre tal evento do que o vídeo icônico em uma das salas de cinema brasileiras (https://www.youtube.com/shorts/qPFsmAWf2nc) – o qual sintetiza a experiência do autor que fala com vocês (a conexão absurda entre uma provável criança de 12 anos e um adulto beirando os trinta é surreal). Nem mesmo as cenas pós-créditos da Era de Ouro dos filmes da Marvel, antes de toda a decadência do arco do multiverso, me provocaram tal empolgação.
Não há nada de novo e absurdo nessa continuação, repetindo-se os elogios que poderiam ser direcionados aos dois filmes anteriores: uma ótima mesclagem entre os elementos reais e os elementos 3D, principalmente dos personagens animados, e, claro, as cenas de ação que beiram ao exagero, mas sabem explorar o duelo entre Sonic e Shadow valorizando a discrepância de experiência de ambos quando o assunto envolve os humanos: enquanto um é abraçado por uma família apesar das dificuldades, o outro abandona seu elo com os sentimentos nobres da humanidade nutrindo somente ódio e vingança por aqueles que o fizeram perder aquela que o apresentara à beleza do viver.
Ao longo da narrativa, Sonic precisará superar toda a questão egóica em torno de sua figura para entender que as coisas somente funcionam em equipe, dependendo um do outro, e que o individualismo é a semente para tomar decisões destruidoras. Shadow fará o caminho contrário, havendo um resgate de sua moral enquanto trabalha junto com o avô de Eggman (que o descobriu na época de sua chegada a nossa dimensão) em seu plano megalomaníaco de exterminar toda a vida no planeta Terra!
De todas as atuações humanas, não há quem vença Jim Carrey nessa corrida, afinal está na sua zona de conforto total e, desta vez em dobro, interpretando dois personagens: o neto e o avô Eggman. O ator sabe trabalhar as suas similaridades e discrepâncias, permitindo-se dançar, cantar e se mover sempre com expressões caricatas para tirar, no mínimo, um belo sorriso de nossos rostos – principalmente daqueles que lembram dos velhos dias em que Carrey era ativo em várias produções que hoje podem ser denominadas como clássicos do gênero de comédia.
O acerto dessa vez é não ter o enfoque tão grande nas interações humanas. No segundo longa-metragem existem momentos que beiram a vergonha alheia (para aqueles que testemunharam, me refiro especificamente à maioria das cenas que envolve o casamento) e, afinal, estamos no cinema para acompanhar Sonic e seus amigos! Ao mesmo tempo, as questões épicas e que envolvem as cenas de ação, quando comparadas ao segundo, perdem um pouco dos elementos surpresas não chegando a causar a mesma euforia que o filme anterior (ainda mais se tratando da manifestação do Super Sonic) – ou até na variação de cenários em que os personagens viajam para o desenrolar da história.
Shadow está muito bem caracterizado e seu lado sombrio contrasta com a euforia e alegria quase permanente do estado de espírito de Sonic. A sua aparição no filme é bem planejada e cheia de referências ao momento icônico em que surge pela primeira vez em “Sonic Adventure 2”, de 2001. O filme não deixa de tocar o tema mais famoso do jogo, que é “Escape From the City”, em seus momentos mais épicos, porém, é algo rápido (o que contrasta, afinal, o uso excessivo talvez perdesse sua perspectiva única e épica ao momento devido?). Seu arco narrativo junto de Maria (Alyla Browne) é bem elaborado e nos afeiçoamos com a dupla; quando a personagem humana sofre a tragédia da morte, simpatizamos com todo o ódio carregado pelo ouriço, que ainda precisa lidar com cinquenta anos de isolamento.
A maior dificuldade presente em sua narrativa é a questão da “seriedade” ou verossimilhança, em que as motivações parecem muito levianas ou simplistas; aqui entramos no debate do quão as obras devem ser levadas a sério ou na própria polêmica de que “seriedade” gera reais significados e obras que tendem a ser mais “bobas” ou “descontraídas” não merecem muito destaque nem ao menos serem consideradas arte. Fica a provocação de qual caminho seguir, afinal, Sonic me prometeu muitas coisas desde o anúncio do primeiro filme e vem cumprindo (e prometendo mais ainda com a confirmada sequência na famosa cena pós-crédito) sem exageros e sem erros, acertando no que se propõe e evitando se colocar num palanque dos grandes filmes.
É uma produção infanto-juvenil que sabe trabalhar bem com suas referências externas ou internas ao universo da obra original. O máximo que tenho de críticas negativas relacionadas ao filme, e que também envolve os dois anteriores, é o quão são acanhados em utilizar das trilhas sonoras originais – tão únicas na mídia dos jogos eletrônicos e que poderiam ser mais presentes. Talvez o elemento fantástico possa se tornar mais presente (é sempre distante a realidade dimensional da qual todo o elenco de personagens animados se origina), algo que pode vir a ser trabalhado em continuações futuras. São mais anseios de alguém que ainda se dedica ao universo do que questões reais que atrapalham o longa-metragem.
E esse é o ponto crucial: desligar o modo “sério” e super analítico e deixar curtir o que deve ser curtido sem elementos de “seriedade” sendo necessários para se nomear isso de arte. Sonic 3 é um respiro do universo infanto-juvenil que nos relembra o quanto o elemento “ser legal” ainda pode entreter, tirar sorrisos e fazer aquele gosto nostálgico da infância nos reconectar com o próprio ato lúdico de viver. Vá e curta. Existem muitos momentos de descontração, boas piadas e levezas que é o que Sonic no fim é. Deixe as reflexões e as “seriedades” para os locais que elas devem ser verdadeiramente aplicadas…
Filme: Sonic 3 Elenco: Keanu Reeves, Idris Elba, Jim Carrey, Krysten Ritter, Ben Schwartz, James Marsden, Tika Sumpter, Alyla Browne, Lee Madjoub, Tom Butler Direção: Jeff Fowler Roteiro: Patrick Casey, Josh Miller, John Whittington Produção: USA Ano: 2024 Gênero: Aventura, Animação, Ação Sinopse: Sonic, Knuckles e Tails se reúnem para enfrentar Shadow, um novo e misterioso inimigo com poderes diferentes de tudo que já enfrentaram antes. Com suas habilidades superadas em todos os aspectos, eles buscam uma improvável aliança. Classificação: 12 Distribuidor: Paramount Pictures Streaming: indisponível Nota: 8,0 |