No final do século XIX, o cristianismo já começava a mostrar sinais de decadência, especialmente devido ao crescente contato do homem com a ciência e outras ideologias emergentes. Dentro desse contexto de transformação cultural e intelectual, emerge a obra de Hlynur Pálmason, que não apenas oferece uma narrativa cinematográfica envolvente, mas também lança uma luz penetrante sobre nossa própria história enquanto colonizadores e a maneira como os valores religiosos estavam sendo desafiados. Terra de Deus.
O filme escolhido pela Islândia para representá-la no Oscar de 2024 não se concentra principalmente nas limitações do dedicado servo de Deus. O cerne da narrativa, desenvolvido ao longo dos quase 150 minutos de duração, gira em torno do silencioso e implacável conflito entre a natureza majestosa e poderosa e os dogmas e regras criados na tentativa de domesticar tanto a paisagem quanto os impulsos humanos. Uma metáfora apropriada para essa contínua luta é o hobby fotográfico do próprio padre Lucas. Ele se envolve profundamente em seu ritual com placas de vidro, sais de prata e outros elementos necessários para capturar a imagem de alguém. No entanto, o retrato resultante de seu esforço intelectual é apenas uma representação parcial. Ele não consegue capturar a complexidade das expressões humanas nem a vastidão dos horizontes que o cercam.
A trama se desenrola a partir de uma conversa simples em um opulento palácio, repleto de riquezas, onde o jovem pastor Lucas é incumbido de uma missão que o levará muito além das fronteiras de seu mundo afetivo: a construção de uma igreja e a catequização dos habitantes locais.Ao invés de adotar o tradicional salto no tempo, onde a narrativa seguiria uma sequência de imagens diretas, o diretor faz uma escolha intrigante ao nos conduzir pela travessia do jovem padre por aquele ambiente desafiador. Nessa parte específica do filme, somos testemunhas de todo o seu sacrifício para navegar por aquela região. À medida que o caminho se torna progressivamente mais desafiador, chegando ao ponto de custar a vida de um homem, vemos o personagem principal mergulhar em reflexões profundas por meio de planos contemplativos, questionando se tudo o que ele está experimentando é um castigo divino ou uma prova da divindade.
Como mencionado no primeiro parágrafo, o século XIX testemunhou o surgimento de novas tecnologias, com a câmera se destacando como uma das mais impactantes. A capacidade de representar a realidade por meio de um dispositivo gradualmente substituiu a pintura, mas também provocou questionamentos profundos sobre nossa própria percepção da realidade no mundo. Até que ponto a câmera, esse elemento inovador que desafia nossa noção de realidade, influenciará a durabilidade dos ensinamentos cristãos na sociedade?
Dessa forma, o filme irlandês guia seus espectadores através da jornada de um homem que, apesar dos desafios que enfrenta, não os encara como pontos finais ou reinícios, mas sim como etapas em constante transição. A câmera, que anteriormente percorreu o ambiente com movimentos suaves, deixa seu registro uma vez mais no desfecho da história, ressaltando a importância da reflexão contínua sobre a evolução das crenças e da sociedade em um mundo em constante mutação.
Obra: Vanskabte land (Terra de Deus) Elenco: Elliott Crosset Hove, Ingvar Sigurdsson, Vic Carmen Sonne, Jacob Lohmann e Hilmar Guðjónsson Direção: Hlynur Pálmason Roteiro: Hlynur Pálmason Produção: Islândia Ano: 2022 Gênero: Drama Sinopse: Terra de Deus é um filme dinamarquês de drama dirigido por Hlynur Pálmason em que, no final do século 19, Lucas (Elliott Crosset Hove) é um jovem padre dinamarquês que decide viajar para uma parte remota da Islândia com o propósito de construir uma igreja e fotografar a população local. Porém, ele logo percebe que a tarefa pode ser uma provação muito maior do que esperava, já que, quanto mais fundo ele entra na paisagem implacável, mais ele se acaba se desviando de seus nobres propósitos, dos motivos pelos quais decidiu iniciar a jornada e até mesmo de seus valores morais. Classificação: 14 anos Distribuidor: Sena Streaming: Filmicca Nota: 8,0 |
Olá,
Excelente comentário/crítica do Wandryu sobre o filme Terra de Deus, um filme que nos revela e nos lembra de quanto somos insignificantes em relação ao que nos rodeia, a Natureza em sua beleza assustadora. Quem somos nós seres insignificantes diante do que não se tem controle? Obrigado pela resenha. Grande abraço e bom trabalho.