Zumbis, zumbis, zumbis…
É difícil pensar que algo novo ainda pode surgir do gênero zumbi. Já vimos de tudo: andam (os zumbis dos primeiros filmes do George Romero, pai do gênero, como Noite dos Mortos-Vivos), correm (em Extermínio, de Danny Boyle, ou Zumbilândia, de Ruben Fleischer), nadam, usam metralhadoras (ambos em Terra dos Mortos, também de George Romero), se apaixonam (Meu Namorado é um Zumbi, de Jonathan Levine), têm filhos (Army of the Dead, de Zack Snyder), found footage (Diário dos Mortos, novamente de Romero, e [REC], de Jaume Balagueró e Paco Plaza), espaços confinados (Invasão Zumbi, de Yeon Sang-ho)… além claro das franquias Resident Evil e The Walking Dead, que começaram bem mas levaram os monstros à exaustão.
No entanto, “Dawn of the Deaf” ainda consegue surpreender, e faz jus à inspiração de seu nome (Dawn of the Dead, ou Madrugada dos Mortos, com versões de Romero, de 1978, e de Zack Snyder, de 2004). É um curta-metragem de 2016 dirigido por Rob Savage e escrito por Savage e Jed Shepherd. Savage também dirigiu, e, junto com Shepherd e Gemma Hurley, escreveu o filme de terror “Host”, que estreou sem muito alarde e explodiu em popularidade no começo da pandemia em 2020. “Dawn of the Deaf” concorreu na categoria de Curtas-Metragem do Festival de Sundance em 2017.
O que ele traz de novo para o gênero zumbi?
“Dawn of the Deaf”, em seus pouco mais de 11 minutos de duração, tem uma tarefa ambiciosa: apresenta quatro histórias de personagens surdos (deaf, em inglês) em diversos contextos: um casal em crise, um homem sendo premiado, e uma adolescente cuja vida familiar não é o que parece. Nesses mesmos 11 minutos em que seguimos as vidas desses personagens, antes do que o curta chama de Pulso, Savage e sua equipe conseguem criar as bases para uma construção de mundo muito interessante no gênero zumbi.
A cinematografia e o desenho de som desse filme são também seus pontos mais altos, entre tantos outros. O filme tem uma qualidade incrível de imagem acompanhada de uma direção original, que nunca entedia mesmo com o uso extenso de close-ups. O som cria uma imersão nas histórias que estamos vendo de pessoas que vivem o mundo a partir de um lugar auditivo diferente dos ouvintes que normalmente vemos em filmes. Uma nota especial também vai para a edição de uma cena específica quase ao final, com um uso único da linguagem de sinais britânica e as legendas (que estão presentes em todo o filme quando os personagens usam a BSL – British Sign Language, a versão britânica das Libras) – não vou estragar a surpresa, mas ao assistir não tem como não saber a qual cena me refiro.
Espaço para crescer
Fica claro que o curta foi criado como prova de conceito para conseguirem financiar um longa-metragem. Esta éuma prática comum para cineastas ainda não estabelecidos, e isso é uma das únicas críticas que posso fazer: o curta acaba antes da história de fato começar, e ficamos com a impressão de ter assistido um prólogo. Como prova de conceito, ele é então muito eficaz: tudo que eu queria era que continuasse.
Uma autocrítica que a própria equipe fez foi que nem todos os atores surdos eram de fato surdos. No entanto, aqui eles esbarraram na questão monetária: uma das condições de financiamento da Royal Central School of Speech and Drama foi que a maioria dos atores fossem alunos da RCSSD, o que reduziu muito o escopo da busca pelo elenco. Contudo, no que puderam, contrataram atores surdos e, com os ouvintes, fizeram um treinamento intensivo de BSL para que fossem convincentes. É de se esperar que, caso o filme vire um longa, a equipe poderá levar a diversidade presente no Reino Unido para as telas, em todas suas facetas . Como já mostraram consciência sobre a importância disso, imagino que o filme estará em boas mãos.
Teremos um longa?
No entanto, 6 anos depois, ainda não temos um longa. Isso talvez se dê pelo nível de investimento necessário para o filme ser transformado em longa-metragem. A maquiagem, os efeitos visuais, e a quantidade sem fim de figurantes – sem falar litros e mais litros de sangue falso – não vão sair barato. A complexidade técnica de um filme desses, que também exige criatividade e investimento. Ligado a isso está o fato da equipe ainda ser iniciante na época do lançamento. Agora, com sucessos como Host no currículo, já provaram seu talento e capacidade de comandar um longa de sucesso.
Além disso, o Reino Unido já produziu alguns dos melhores (na minha opinião) filmes de zumbi atuais, tais como Extermínio, mencionado acima, e Todo Mundo Quase Morto – ambos fizeram muito sucesso e servem de precedente para Dawn of the Deaf, assim como a onda recente de filmes sensacionais que trazem a surdez como tema central sem a infantilização dos surdos, como O Som do Silêncio e No Ritmo do Coração. Com isso, só resta esperar. Escrevi para Savage no Twitter sobre a possibilidade de um longa, e este me respondeu com dedos cruzados, então quem sabe o que ainda vem por aí!
Aqui você encontra a lista no Letterboxd com todos os filmes mencionados neste texto: https://boxd.it/icVeQ
O curta está disponível no YouTube de graça: https://youtu.be/cziqkD7iO-g
Filme: Dawn of the Deaf Elenco: Caroline Ward, Haley Bishop, Radina Drandova, Stephen Collins Direção: Rob Savage Roteiro: Rob Savage, Jed Shepherd Produção: Reino Unido Ano: 2016 Gênero: Terror Sinopse: Quando um pulso sônico infecta a população ouvinte, um pequeno grupo de pessoas surdas precisa se juntar para sobreviver. Classificação: Não possui classificação oficial Distribuidor: Não possui Streaming: No YouTube, no canal Alter. Nota: 8,0 |