Cobertura Festival do Rio | Decisão de Partir, ou “Heojil kyolshim”, de Park Chan-wook

Cobertura Festival do Rio | Decisão de Partir, ou “Heojil kyolshim”, de Park Chan-wook

Decisão de Partir (Heojil kyolshim/Decision to Leave, 2022) é o filme mais recente do diretor sul-coreano Park Chan-wook (Oldboy, 2003, A Criada, 2016) A produção, também roteirizada pelo diretor e por sua parceira recorrente Chung Seo-Kyung, foi selecionada para representar a Coreia do Sul na disputa do Oscar 2023 e está sendo exibida atualmente no Festival do Rio, ainda sem data de estreia no Brasil.

É incrível a capacidade que um filme pode ter de surpreender o telespectador e, seja para o mal ou seja para o bem, a arte está cheia de pequenos e instigantes mundos dentro de uma vastidão enorme de produções. Pode-se dizer que Decisão de Partir é uma dessas pérolas que se destacam em um ano tão preenchido por boas produções como está sendo 2022.

Park Chan-wook é um dos nomes mais conhecidos e aclamados da Coreia do Sul, isso é um fato. Antes mesmo do lançamento estrondoso de Parasita, de Bong Joon-ho, (2018), seu Oldboy já era considerado um clássico do cinema asiático, tendo ganhado um remake americano em 2013 assinado por Spike Lee, e A Criada se consolidava também como uma das grandes produções deste continente.

Em Decisão de Partir acompanhamos uma história policial cercada de mistério e suspense, onde um detetive investiga a morte misteriosa de um homem, tendo como principal suspeita, no caso de um possível assassinato, a esposa da vítima, uma imigrante chinesa que trabalha como cuidadora de idosos. À medida que a investigação avança, o detetive se torna obcecado com essa mulher que, quanto mais perto ele consegue chegar, mais distante ela se torna. Em meio a esse jogo entre os dois personagens, surge uma possibilidade de romance. Digo possibilidade pois tudo é muito ambíguo em relação à Seo-rae, viúva e suspeita da morte da vítima, interpretada maravilhosamente por Tang Wei.

Temos aqui um filme esquisito, bem no estilo de Park Chan-wook, e quando digo esquisito, não uso a palavra de uma forma ruim. Quem conhece a obra desse diretor vai saber do que estou falando quando uso tal palavra. Talvez seja um pouco difícil imaginar que da mente que saiu Oldboy sairia também Decisão de Partir, ao julgar pela trama tão diferente de ambos os filmes. Porém, aqui é bastante marcada e perceptível a assinatura do diretor, seus jeitos e trejeitos de filmar e seus diálogos bem construídos.

Algo simples, mas que chama bastante atenção, são estes diálogos entre o detetive Hae-jun (Park Hae-il) e Seo-rae. Os momentos em que ela não consegue – ou não quer – conversar em coreano e utiliza um aplicativo de tradução para se comunicar com ele são de uma sutileza que pode passar quase despercebida. Na face confusa de Hae-jun ao ouvir as palavras em chinês de Seo-rae e esperar pela tradução é que se encontra uma grande faceta dessa personagem. Tanto quanto nós, espectadores, esse detetive, que busca incansavelmente por alguma pista, não consegue ler essa personagem. A distância entre os idiomas funciona, nesse caso, como a névoa que encobre a personagem de Tang Wei e também Busan, cidade em que se passa o filme. É preciso esperar que ela se dissipe e lhe mostre o caminho que nem sempre será aquele que leva à uma verdade absoluta.

A natureza ambígua da personagem de Seo-rae nos leva a duvidar de sua inocência em alguns momentos, e em outros jurar que ela não poderia ter cometido um crime contra ninguém. Essa mulher, bela e gentil com seus clientes idosos, enfeitiça tanto ao detetive Hae-jun quanto ao telespectador e muito disso se dá pela atuação precisa de Tang Wei. Sem exageros, percebemos na essência de Seo-rae que ela poderia ter qualquer um em suas mãos, seja por saber manipular muito bem as pessoas, seja por conta de sua bondade e gentileza ao cuidar de quem precisa.

No possível romance que começa a surgir entre os protagonistas de Decisão de Partir está o grande dilema do filme. Como poderia existir uma relação entre um detetive e uma suspeita de assassinato? A linha entre investigação e flerte entre esses personagens é tênue, e as implicações e consequências das atitudes do homem e da mulher lhes levam a situações limite em suas vidas pessoais. Enquanto o ambiente familiar de Hae-jun começa a desmoronar, Seo-rae se casa novamente, somente para acabar no centro de uma nova investigação.

A narrativa criada por Park Chan-wook, cheia de desdobramentos e pequenos detalhes combina bem o suspense e ação policial de algumas cenas e a aura de mistério não abandona a produção em nenhum minuto. A insanidade que toma conta do detetive lhe leva ao extremo e sua corrida contra o tempo para salvar da prisão ou encarcerar Seo-rae se torna um conflito de interesses, onde nem uma das alternativas se faz satisfatória para Hae-jun.

Decisão de Partir tem, em seus momentos finais, um desfecho belo e melancólico e, embora não saibamos dizer com certeza – talvez nem mesmo o diretor possa – o que se passava na mente de Seo-rae, sentimos, mesmo na ambiguidade de atitudes da personagem, que seus sentimentos por Hae-jun poderiam ser, sim verdadeiros. Em seus últimos feitos em tela, sua decisão de partir, embora seja talvez extrema, se faz não somente como uma decisão impensada, mas uma necessidade, dada a situação em que a personagem se colocou, ou acabou sendo levada pela onda do momento em que se encontrava.

Por fim, é válido dizer, sim, que Decisão de Partir é não só um dos melhores filmes de Park Chan-wook como um dos melhores deste ano. Sua narrativa misteriosa e romântica entrega aquilo a que se propõe e revela um trabalho excelente tanto de texto quanto de atuações. A mão firme do diretor se faz presente em cada minuto do longa elevando-o em uma satisfatória experiência cinematográfica. Aguardemos então, com ansiedade, o lançamento dessa bela obra aqui no Brasil.


Filme: Decisão de Partir (Heojil kyolshim/Decision to Leave)
Elenco:
 Tang Wei, Park Hae-il, Go Kyung-pyo, Lee Jung-hyun, Yoo Seong-mok, Park Yon-woo.
Direção:
 Park Chan-wook
Roteiro:
 Park Chan-wook, Chung Seo-kyung
Produção:
 Coreia do Sul
Ano:
 2022
Gênero:
 Drama, Romance, Suspense, Thriller.
Sinopse:
 Um detetive (Park Hye-il) se apaixona por uma misteriosa viúva (Tang Wei) após ela se tornar a suspeita número um em seu último caso de assassinato.
Classificação:
 16 anos.
Streaming:
 Indisponível.
Nota: 
9,0

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