Os gêneros cinematográficos são categorias que agrupam filmes com características similares, refletindo convenções estilísticas e temáticas diversas. Os códigos, como costumamos chamar essas características, podem variar por grau de especificidade ou nível de detalhamento. Por exemplo, as histórias de amor constituem um código mais universal, abrangente, mas são indispensáveis somente aos filmes de romance. Mas nem por isso elas são exclusivas desse gênero. Por outro lado, quando pensamos no gênero de Faroeste, temos um código que é muito mais específico: as narrativas de exploração da fronteira americana. Esse código remete de forma muito mais direta ao gênero que lhe é específico, expressando uma relação de interdependência.
Imagem: Monument Valley, região desértica dos Estados Unidos e paisagem tradicional dos filmes de faroeste
Ao longo do tempo, muitos gêneros cinematográficos evoluíram, adaptando-se às mudanças sociais e culturais em um contexto amplo. Fatores como avanços tecnológicos, transformações na sociedade e novas abordagens artísticas têm influenciado na evolução dos gêneros cinematográficos. Dessa forma, redefinem suas narrativas e estilos. Dentro desses fenômenos mencionados, os gêneros cinematográficos podem simplesmente adquirir ou perder determinadas características, mas sem deixar de conservar a sua base, o seu cânone. Em casos ainda mais extremos, gêneros podem ser extintos (musical clássico), ou se fundirem para formar um novo e logo conquistarem o apreço do público (comédia romântica ou drama histórico).
Dentro desse contexto, podemos avaliar como os movimentos da história do cinema influenciaram na trajetória dos gêneros cinematográficos. A Nova Hollywood, por exemplo, é um período de intensas transformações sociais e culturais, refletindo no surgimento de novas abordagens temáticas e estilísticas no cinema. Esse fenômeno terá um significativo impacto sobre o processo de evolução e transformação dos gêneros, sobretudo: Horror, Policial, Musical e o Faroeste. Esses filmes passarão a refletir as novas convenções e formas de representações artísticas difundidas pela Nova Hollywood sobre o cinema de gênero.
Uma das novas formas de representação introduzidas pelos grandes movimentos do Cinema Moderno é a abordagem cada vez mais subjetiva do espaço. Enquanto na Hollywood clássica, os elementos cinematográficos relacionados à abordagem do espaço possuíam um papel mais objetivo dentro da narrativa, como situar o espectador e representar a realidade da maneira em que enxergamos (contínuo, tridimensional). Nas novas abordagens, é comum vermos o espaço como um lugar de relações subjetivas, revelando laços emocionais, estados de espírito do personagem ou até mesmo um conceito artístico mais abstrato. Para alcançar esse grau de expressão, os elementos de encenação terão um novo enfoque.
Mas quais são os códigos cinematográficos relacionados à maneira como compreendemos espaço no cinema? Acredite ou não, praticamente todos! A cenografia e o design de produção, com a construção dos cenários, assim como a iluminação e os ângulos de câmera podem gerar impressões tanto objetivas quanto subjetivas sobre o espaço. Influenciam na maneira como o visualizamos, sentimos e o interpretamos. Podemos ir ainda mais além, na maneira como os atores se movimentam dentro do set e o posicionamento de certos objetos também podem enriquecer o contexto, sugerindo novas abordagens.
Quando falamos especificamente dos filmes de faroeste, também vemos mudanças na maneira como o espaço é abordado. A natureza e o deserto no cinema clássico tinham o papel predominante de representar lugares reais ou ameaças mais tangíveis, como a existência de animais perigosos ou inimigos. Isso não quer dizer que neste tipo de cinema a abordagem estava limitada a isso e que paisagem e personagens não poderiam interagir, gerando algum nível de subjetividade. Mas é no cinema moderno que as capacidades deste tipo de expressão são exploradas de forma mais intensa e se libertam das amarras que as subordinavam ao enredo.
Dentro da Nova Hollywood, temos “The Shooting” (1966) de Monte Hellman, um faroeste pós-moderno, onde o deserto é explorado como um estado de confusão e perdição, onde a ameaça é sempre obscura, permanece desconhecida, e os personagens estão em constante movimento (em circulo, sem destino), criando uma atmosfera de incerteza, apresentando problemas que não possuem resolução. Esse é o conceito dominante em todo o filme, sobreposto à ideia de uma narrativa que em algum momento tentou se estabelecer, cujos destinos se perdem dentro do senso de direção dos próprios personagens, rumo ao interior do deserto. Esse é um caso claro em que personagens e cenários interagem com o objetivo de expressar algo já era imposto pela narrativa, mas que só encontra determinado nível de expressão na presença de um conceito de encenação dos elementos que compõe o espaço.
Imagem: Jack Nicholson no papel de Billy Spear, The Shooting (1966)
Considerando a sua popularidade e dimensão épica, “Pequeno Grande Homem” (1970), de Arthur Penn, talvez seja o grande faroeste da Nova Hollywood. O longa preserva diversos elementos de sua era “mais clássica”, principalmente quando pensamos no desenvolvimento da narrativa e modelo de encenação com enfoque na centralidade na ação, em conformidade com a tradicionalidade do cinema. No entanto, inova a partir da sua reformulação temática, buscando ressignificar os papéis representados por cada um dos personagens dentro da hierarquia social e de poder no Velho Oeste. À maneira como se desenvolve, sugere-se que o filme “caminha sobre seus próprios códigos”, construindo uma consciência reflexiva. Essa abordagem, em que os personagens se movem sobre um espaço já percorrido diversas vezes na história do cinema, ilustra como a encenação do espaço pode ilustrar um conceito e produzir metalinguagem.
Imagem: em Pequeno Grande Homem (1970), Dustin Hoffman é Jack Crabb, sequestrado pelos nativo americanos quando pequeno
Em “Pale Rider” (1985), de Clint Eastwood, o espaço extrapola a sua natureza física, tornando-se um palco para as relações subjetivas entre população e região. A terra passa a representar as origens, a família e os afetos, transformando-se em um espaço de encenação dos conflitos internos. Os trabalhadores resistem e se recusam a abandonar o lugar em que nasceram, ainda que diante da maior promessa material de suas vidas: muito ouro! O dispositivo, nesse estágio de desenvolvimento das possibilidades expressivas do cinema, é extremamente sensível e capaz de captar as relações que transcendem o mundo material. Outro exemplo dessa ruptura com a visão essencialmente objetiva do espaço está na cena em que a família vê a chegada do herói através da sua janela, com uma iluminação super artificial e Apocalipse 19:11-16 sendo citado ao fundo, sugerindo o aspecto espiritual da jornada desses personagens.
Imagem: Clint Eastwood no papel de “Padre/Pregador”, em Pale Rider (1985)
Essas transformações revelam como o gênero não apenas se adapta às mudanças externas e do contexto social e político dos anos 60 e 70 dos EUA, mas também recontextualiza elementos fundamentais da encenação. Dessa forma, conseguem explorar novas dimensões temáticas e estéticas, nunca antes alcançadas, garantindo uma evolução do gênero ao longo dos anos. E nesse processo de ressignificação e reestruturação, contribuem para o desenvolvimento do cinema como um todo.